Organizações Sociais de Saúde não atendem a demanda nos hospitais regionais e fazem com que os pacientes sejam transportados por mais de 1.000 km para conseguir atendimento, tornando inviável a estratégia de descentralização do setor, elaborada pelo governo do Estado. Conforme o Conselho Estadual de Saúde, existe a seleção dos procedimentos considerados ‘lucrativos‘, que não demandam internações longas e nem procedimentos complexos. As denúncias recebidas pela Ouvidoria do Sistema Único de Saúde (SUS) apontam ainda a falta de medicamentos, investimentos, ampliação de serviços e a precarização das relações de trabalho. Há 10 meses, a primeira unidade teve a gestão transferida pelo Estado para uma OSS e atualmente R$ 187 milhões são aplicados no modelo.
Desde o começo de ano, o Sindicato dos Médicos de Mato Grosso (Sindimed) enfrentou greve dos profissionais em 3 das 5 unidades geridas por organizações. O não pagamento dos salários e contratos, muitas vezes verbais, estava na pauta de reivindicações.
Em Alta Floresta, foi constatado o desvio de recursos no hospital municipal, o que obrigou o governo a repassar a administração para outra OSS em regime de urgência. A mesma situação foi confirmada no Hospital Regional de Colíder. O contemplado para a substituição em ambas unidades foi o Instituto Pernambucano de Assistência (Ipas), que já respondia pela Central de Distribuição de Medicamentos (R$ 7 milhões) e pelo Hospital Metropolitano de Várzea Grande (R$ 32 milhões). Juntos, os 2 contratos somam R$ 64 milhões.
A base de cálculo dos valores do contrato é a tabela do SUS. Cada um dos procedimentos foi orçado com preço equivalente ao dobro e até mesmo ao triplo do pago pelo Ministério da Saúde (MS).
Fiscalização – O representante da Central Única dos Trabalhadores (CUT) no Conselho Estadual de Saúde, João Dourado, explica que o cenário é uma ‘tragédia anunciada‘. Ele lembra que desde o começo do processo, em maio de 2011, todas as entidades ligadas à saúde se posicionaram contra a modalidade e até hoje, nem sequer a comissão de fiscalização que seria formada pela sociedade civil organizada para o controle social, foi estabelecida. A transparência e a participação popular na distribuição dos recursos do SUS está na legislação e não é respeitada.
Dourado argumenta que os conselheiros já solicitaram a Secretaria de Estado de Saúde (SES) um relatório das atividades, mas não foram atendidos. Na próxima plenária, prevista para os dias 22 e 23 de junho, os membros do conselho vão deliberar sobre a realização de manifestações e denúncias no Ministério Público Estadual (MPE). Ele explica que toda a fiscalização dos serviços é realizada por uma comissão de contratos, que faz parte da SES e não tem a presença das entidades.
Denúncias – Dourado relata que várias denúncias chegaram ao conhecimento do conselho por meio da ouvidoria do SUS e todas são analisadas pelas comissões. Uma delas é de um homem que mora em Lucas do Rio Verde e precisava de uma cirurgia ortopédica. Ele foi encaminhado para a o Hospital Regional de Cáceres, enquanto a unidade de referência seria Sorriso, que está a menos de 200 km da casa dele.
Outras comunicações da população são relacionadas a falta de medicamentos de alta complexidade, principalmente no interior. Na avaliação preliminar do Conselho, há falha na aquisição dos remédios, bem como na distribuição dos produtos. Os membros temem que, sem eficiência, remédios comecem a ficar vencidos como aconteceu em maio de 2011, antes da OSS assumir. Na ocasião, 20 mil quilos de remédios foram descartados devido ao fim da validade.
Comitê – Robinson Ciréia faz parte do Comitê de Defesa da Saúde Pública e diz que pessoas são descartadas pelos hospitais e não conseguem sequer entrar nas unidades. Ele diz que isto é um reflexo da ótica privada dentro de uma unidade pública de saúde.
Uma cena que marcou a população cuiabana e que na opinião de Ciréia exemplifica o contexto é a morte do idoso Antônio Batista da Silva, 57, a poucos metros do Pronto-Socorro de Cuiabá. Ele é morador de Água Boa e não teve atendimento na região. Precisou ser transferido para Cuiabá, onde entrou na lista de pessoas que aguardam o encaminhamento pela Central de Regulação, que teve aumento da demanda com a ineficiência dos hospitais regionais e não consegue atender a todos.
Como passou mal e precisou do pronto-atendimento, foi até policlínicas e postos de saúde, que não recebem os investimentos necessários e sem obter o auxílio, resolveu bater na porta do PS, que não o deixou entrar.
Desde que uma empresa privada assumiu a administração da unidade, explica Ciréia, o acesso está cada vez mais limitado para garantir o lucro e não a vida. Ele defende que a contratação da empresa de assessoria para a gestão é uma terceirização disfarçada.
Na análise do representante do Comitê, não adianta mudar o modelo de gestão sem expandir o número de leitos e investir na atenção básica. Pior ainda é quando os valores empregados pelo estado são altos.
A modalidade, segundo Ciréia, também abre oportunidade para uma série de desvios de verbas, já que as compras não precisam passar por todos os critérios exigidos por lei para uma licitação.
Outro lado
O secretário de Estado de Saúde, Vander Fernandes, está de férias e apenas ele é autorizado a falar sobre o assunto no órgão.