Uma cirurgiã-geral decidiu usar uma rede social para denunciar a grave situação do Pronto-Socorro de Cuiabá, que não dispõe de remédios, nem instrumentos adequados aos médicos para realizarem atendimentos e cirurgias. O problema é acompanhado pelo portal Gazeta Digital que nos últimos dias tem feito várias matérias com base em denúncias e documentos obtidos junto a profissionais que relatam e pedem um basta ao descaso com a saúde pública e com a população mato-grossense dentro da maior unidade de saúde. Embora esteja na capital, o Pronto-Socorro atende pacientes de todo o Estado e recebe uma parte de verba do governo do Estado para custear a unidade.
O desabafo, publicado sexta-feira (21) já tinha recebido, quase 700 compartilhamentos e centenas de comentários até esta tarde. O Ministério Público tem conhecimento de todos os problemas, mas até o momento não se pronunciou. Em alguns casos, o órgão tem ingressado com pedidos de liminares na Justiça para garantir atendimento a pacientes em situação mais grave.
Os problemas vão desde a falta de médicos plantonistas e passa pela infraestrutura precária, como equipamentos de cirurgia sucateados, elevadores quebrados e a falta medicamentos que formam uma extensa lista, dos mais básicos até remédios indispensáveis para pacientes com doenças cardíacas, pneumonia e outras. Quem está nas Unidades de Tratamento Intensivo (UTIs) também não escapa de ficar sem medicação, pois falta praticamente tudo. Mas sobram pacientes deitados e amontoados pelos corredores da unidade.
As denúncias da profissional elencadas na carta aberta só confirmam as denúncias publicadas pelo Gazeta Digital. Mas por outro lado, a prefeitura de Cuiabá, comandada por Mauro Mendes (PSB) não tem adotado na prática, medidas urgentes para sanar os problemas, ou pelo menos parte deles. É por isso que a profissional decidiu elencar item por item os produtos e medicamentos que estão em falta há mais de 1 mês, além de descrever em detalhes as condições de instrumentos como “canetas dos bisturi elétricos que não encaixam adequadamente nos aparelhos sendo necessário ‘gambiarras’ em todas as cirurgias para o seu funcionamento, expondo tanto a equipe médica, de enfermagem quanto os pacientes a risco de choque elétrico”.
Em resposta aos questionamentos do Gazeta Digital no decorrer desta semana, a Secretaria Municipal de Saúde, hoje comandada pelo médico, Werley Silva Peres, disse por meio da assessoria de imprensa, que o motivo da falta de remédios são problemas com fornecedores que não querem ou não se interessam em participar das licitações lançadas para compra de medicamentos. Disse que alguns itens em falta já foram comprados, pois houve empresas interessadas, mas vários outros não apareceram fornecedores interessados.
A assessoria disse ainda que os responsáveis pela parte de licitação na secretaria iriam estudar medidas de solucionar o problema. Mas não disse de que forma e nem quando isso seria resolvido. Diante das várias denúncias em público realizadas pelos profissionais da unidade, e publicadas na imprensa, o prefeito Mauro Mendes anunciou nesta semana que contratou por R$ 750 mil, e sem licitação, uma empresa da Bahia para elaborar o projeto do novo Pronto-Socorro, uma de suas principais promessas de campanha quando era candidato em 2012. O fato é que o projeto está sendo contratado com um ano de atraso, e as obras sequer têm data para iniciar. Só ficarão prontas no decorrer da próxima gestão que iniciará em janeiro de 2017.
Confira na íntegra a carta aberta.
Carta aberta para a população e autoridades de Cuiabá e a quem mais possa interessar.
Como membro do grupo de cirurgia geral do Pronto-Socorro de Cuiabá, MT, quero divulgar uma vez mais o que já é do amplo conhecimento das autoridades e da população dessa capital.
Faço isso porque não me conformo e não vou me conformar nunca (nunca serei acomodada ou conivente) em trabalhar num ambiente tão hostil no que se refere às condições para o bom desempenho do meu trabalho.
Só para fazer um idéia, segue abaixo lista dos materias, que no dia 23 de fevereiro (meu plantão), não existiam naquele local.
A falta desses materiais compromete em demasia o atendimento aos pacientes, principalmente quando se trata de urgência e/ou emergência, o que é a maioria dos casos que chegam àquele local.
É estarrecedor o descaso e a falta de compromisso que existe em relação às necessidades primordiais do ser humano que porventura necessite dos serviços de saúde no Pronto-Socorro de Cuiabá.
Falta praticamente tudo, desde uma lâmpada de laringoscópio (para entubar paciente usa-se flash de celular), bolsa de colostomia, lâminas de bisturi, drenos, etc até materiais mais simples como esparadrapo e micropore. A lista é enorme. A sala A está desativada por falta de carrinho de anestesia, mesa cirúrgica, monitor, oxímetro e o aparelho de ar condicionado está com vazamento e a sala D está com foco queimado. Falta óculos de proteção para diminuir os riscos de contaminação, uma exigência primordial no atendimento a um paciente portador de HIV, por exemplo.
Como plantonista da cirurgia sinto-me agredida por, muitas vezes, não poder oferecer o tratamento mais adequado ao paciente por falta de condições. Sinto-me agredida como médica e como pessoa, ter que submeter o paciente a uma conduta de maior risco por falta de material, além do estresse que isso ocasiona em toda a equipe.
É bom que se saiba que todos estão sujeitos a serem encaminhados para o Pronto-Socorro caso tenham a desventura de sofrer um acidente na rua e forem atendidos por uma das ambulâncias do SAMU. Mesmo que tenham plano de saúde e acesso à rede hospitalar privada, o primeiro local de atendimento é o PS. Por isso, ricos e pobres, autoridades ou pessoas do povo, todos estão sujeitos a sofrer as agrúrias de um hospital que se encontra em condições materiais lamentáveis, como tem sido há muito tempo a realidade.
Portanto, o problema é de todos: dos profissionais da saúde, das autoridades e de toda a população.
Relação de materiais em falta no Pronto Socorro Municipal de Cuiabá (levantamento realizado pela equipe médica e de enfermagem em todos os setores do hospital no dia 23/02/2014)
Esparadrapo
Micropore
Gaze estéril
Bolsa para colostomia
Coletor de urina sistema fechado
Tubo endotraqueal número número 8, 8,5 e 9
Sonda de foley número 16 duas vias
Agulha 25 x 8
Óculos de proteção
Lâmina de bisturi número 23
Lâmina de bisturi número 24
Pilha média
Pilha grande
Dreno penrose números 1,2 e 3
Omeprazol 40 miligramas injetável
Gentamicina 80 miligramas injetáveis
Neocaina isobárica ampola
Descarpack 13 litros
Fios: mononylon 2.0 agulhado, mononylon 0 duplo agulhadO, vicryl 1 e 2 para fechamento aponeurose
Dreno de tórax número: 26, 28, 30, 32, 34, 36 e 38
Tela de prótese (para correção de hérnias)
Água destilada 1000ml
Ranitidina injetável
Lâmpada para laringoscópio
No Centro cirúrgico:
Sala A: sala desativada por falta de: carrinho de anestesia, mesa cirúrgica, monitor e oxigênio. O ar condicionado está com defeito apresentando goteira com água suja proveniente do telhado, quando ligado contamina o local da mesa cirúrgica.
Sala D: foco queimado
Faltam frasco aspira eficiente em todas as salas
As canetas dos bisturi elétricos não encaixam adequadamente nos aparelhos sendo necessário "gambiarras" em todas as cirurgias para o seu funcionamento, expondo tanto a equipe médica, de enfermagem quanto os pacientes a risco de choque elétrico.
RPA – recuperação pós anestésica: oxímetro e monitor