Com uma cobertura de 38,11% da população atendida por Unidades de Saúde da Família, Cuiabá é a segunda capital da região Centro-Oeste com o menor índice de atendimento básico de saúde. A taxa mais alta é de Goiânia (GO), com 48,11% dos usuários cobertos. Segundo dados do Ministério da Saúde, Florianópolis (SC) apresenta o melhor índice no país, com 94,78% da população atendida pelos postos, enquanto Belém (PA) é a pior capital, com cobertura de 22,5%.
Primeiro local de procura dos usuários do Serviço Único de Saúde (SUS), os Postos de Saúde da Família (PSF) são alvos constantes de reclamação na Capital. Devido à falta de atendimento nestes locais, a população acaba migrando para outras unidades como policlínicas e a Unidade de Pronto-Atendimento (UPA) da Morada do Ouro, o que causa a superlotação, filas e horas de espera.
Um dos exemplos mais claros do baixo atendimento nas unidades básicas de saúde em Cuiabá é o caso de Adriana Vitório, do bairro Três Barras, na região Norte da Capital. Morando de frente para o posto de saúde localizado na rua 29, ela vai até outras unidades, como a do CPA 4, quando precisa agendar e realizar consultas médicas. Isto porque, segundo a moradora, o local nunca tem profissionais para atender a população. Adriana acrescenta que o posto conta com uma única médica que chega por volta das 15h, indo embora até 18h, e que não são todos os dias que a servidora está no posto.
“Ela vem quando quer, assim como os funcionários do posto atendem a gente do jeito que querem também. Já cansei de tentar marcar consulta aí e não tem ninguém para trabalhar. Não sei o que eles fazem lá dentro. Não tem médico, não tem vacina, não faz exame, nada. Tinham que fechar esse posto porque não está servindo para nada”.
Também moradora do Três Barras, a doméstica Sandra Aparecida dos Santos, 44, reforça as críticas ao PSF do bairro e se demonstra bastante revoltada com o problema do posto. Ela conta que, recentemente, passou por problemas de saúde e toda vez que procurou por atendimento na unidade não encontrou médicos e equipe. De acordo com Sandra, a questão da saúde no bairro sempre foi um problema desde quando ela se mudou para a localidade há 18 anos. Porém, na última década, a situação vem piorando. “Eu fico indignada porque moro atrás do posto de saúde e não consigo atendimento nunca. Não dá para aceitar ter que ir lá para o CPA 4 para ser atendida, quando isso deveria acontecer aqui. Esse posto não tem nada”.
Segundo dados do Ministério da Saúde, no que se refere à cobertura das equipes de saúde da família, Cuiabá ainda está longe de ser uma referência com o atual índice de 38,11% da população atendida. Em todo o Mato Grosso, a cobertura é de 64,98%, sendo as cidades de Várzea Grande (22,71%), Cáceres (38,81%), as que apresentam as menores taxas. O órgão estabelece ainda que o número de Agentes Comunitários de Saúde (ACS) deve ser, no máximo, de 750 usuários para cada profissional, e que as equipes sejam formadas por até 12 agentes. A deficiência acarreta em problemas como a procura por atendimentos em outros locais.
Em Cuiabá, uma das unidades mais solicitadas é a UPA Morada do Ouro, destinada aos casos de urgência e emergência. Pela classificação da Organização Mundial de Saúde (OMS), as situações mais graves têm prioridade e os atendimentos seguem a classificação de cores (verde, azul, amarelo e vermelho). Porém, indo até a UPA, é possível encontrar pessoas reclamando que estão aguardando atendimento há horas depois de não terem conseguido encontrar profissionais nos postos de seus bairros.
Enfermeira responsável pelo PSF do bairro 1º de Março, Ligia Alves da Silva conta que com frequência a unidade recebe pacientes de outros bairros e até mesmo usuários que tentaram atendimento na UPA, mas desistiram devido ao tempo de espera. Para ela, o problema da saúde básica na Capital ainda está na baixa quantidade de postos. Tanto que seu PSF atende não só moradores do 1º de Março, como também dos bairros João Bosco Pinheiro e Aroeira.
“Nossa escala de médicos está completa, com profissionais para atender os moradores desses três bairros, porém, sabemos que nem todas as unidades da cidade são assim. Sendo um PSF, atendemos por agendamento e caso o paciente não tenha marcado, damos um jeito de encaixá-lo. Acontece que em bairros onde não há médicos suficientes, as pessoas procuram mesmo atendimento em outro local, indo para onde for preciso. O número de postos hoje não é suficiente para atender nem metade da cidade”.
Investimentos – Professor da área de Saúde Pública do Departamento de Medicina da Universidade Federal de Mato Grosso, Reinaldo Mota afirma que é preciso melhorar a rede pública de saúde como um todo. Segundo ele, a estrutura deficiente e precária do atendimento básico resulta em problemas nos outros setores, de média e alta complexidade. “É muito mais fácil construir uma UPA do que investir em toda a rede. A atenção básica precisa de melhorias urgentes, pois é mais eficiente e barato também trabalhar com a prevenção do que com o tratamento”.
Já para a presidente do Sindicato dos Médicos de Mato Grosso (Sindimed/MT), Eliana Siqueira, falta vontade política para levar investimentos à rede básica. Em relação à UPA Morada do Ouro, ela ressalta que além de receber a demanda de postos de saúde e policlínicas, os profissionais também são obrigados a atender pacientes da saúde mental, sem um local adequado na Capital para serem encaminhados. Eliana ainda critica o possível fechamento das policlínicas do Coxipó e Planalto com a abertura da segunda UPA em Cuiabá.
“Ao invés de ampliar o atendimento, o problema vai continuar aí. Economicamente para o município é muito mais viável construir um hospital, onde ganha-se recursos para alimentação, medicamentos, empresas de limpeza, laboratórios, etc. Já no PSF, não. O investimento são nas equipes, o que não dá lucro algum. Hoje os postos não vacinam, não aferem pressão, não examinam a população. Quando esses usuários vão para as policlínicas, Pronto-Socorro ou a UPA já são casos mais graves, mas que poderiam ter sido diagnosticados antes. Nossos governantes não estão preocupados com a saúde do povo”.
Outro lado – A reportagem tentou entrar em contato com representantes da Secretaria Municipal de Saúde de Cuiabá, mas até o fechamento desta edição não obteve retorno.