O epidemiologista David Uip afirmou hoje (22) que o adiamento das eleições em dois meses poderá salvar milhares de vidas. Uip participou da sessão de debates no Senado, dedicada a debater a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 18/2020, que trata do adiamento das eleições municipais, previstas, inicialmente, para 4 de outubro.
“Passados quatro meses, nada indica que estamos ultrapassando o pico da epidemia. Na verdade estamos diante do recorde de mortes, principalmente registrado nas últimas semanas”, ressaltou o epidemiologista. “Esse prazo de dois meses [de adiamento] evitará centenas, milhares de mortes. Essa epidemia é grave, atinge brutalmente 20% dos infectados”, disse Uip, completou.
O também epidemiologista Paulo Lotufo também participou da sessão. Na visão dele, considerada pelo próprio como “conservadora”, o ideal seria a realização do primeiro turno no final de novembro. Para Lotufo, manter as eleições na data original, 4 de outubro, seria “temerário”. “Eu considero a data de 4 de outubro temerária, eu não recomendaria fazer nessa data. Eu proporia que fosse ao final de novembro, dia 29, com segundo turno no dia 13 de dezembro”. Ele diz acreditar que em outubro a possibilidade de aumento de casos e mortes ainda será grande.
A PEC 18/2020 prevê o dia 6 de dezembro como nova data para o primeiro turno das eleições, mas o martelo ainda não está batido. O dia 15 de novembro, data sugerida pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) também surge como uma possibilidade viável. O relatório, marcado para ser votado no Senado amanhã (23), vai trazer a data final.
“O TSE propôs ao Congresso o adiamento dentro de uma janela que os médicos sugeriram ser entre 15 de novembro e 20 de dezembro. Essa será uma escolha política do Congresso”, disse o presidente do tribunal, Luís Roberto Barroso, que também esteve na sessão. A única certeza que parece existir no momento é a realização das eleições ainda neste ano. “O consenso que existe é pela não prorrogação de mandatos”, afirmou o magistrado.
Alguns senadores já se mostraram contrários à realização das eleições em 2020. O presidente da Confederação Nacional de Municípios (CNM), Glaudemir Aroldi, também é voz dissonante. Para ele, as eleições não podem ser realizadas este ano. Ele lembra que o Brasil tem mais de 1,3 mil prefeitos acima de 60 anos, faixa etária considerada de risco.
Além disso, segundo ele, 1.040 prefeitos nessa faixa etária podem concorrer à reeleição e podem ser prejudicados, uma vez que ficariam mais vulneráveis ao sair na rua para fazer campanha, dentre outros compromissos políticos. “Como poderão esses gestores exercer o seu direito constitucional à reeleição, se eles estarão colocando em risco a própria vida?”.
Barroso esclareceu que há um problema constitucional nessa prorrogação de mandatos, uma vez que a periodicidade dos mandatos é uma cláusula pétrea da Constituição, ou seja, não pode ser alterada. De acordo com o presidente do TSE, as eleições só aconteceriam no ano que vem se a situação sanitária chegasse a tal ponto que inviabilizasse completamente o pleito este ano.
“O grande problema é de natureza democrática. Do ponto de vista constitucional, a prorrogação é inviável, indesejável, mesmo com [uma proposta de] emenda à Constituição. A única possibilidade de se prorrogarem mandatos é se chegarmos ao final de dezembro e as autoridades médicas nos digam ‘isto é dramático do ponto de vista de saúde pública’. E aí, diante da emergência, a gente delibera com a emergência”.
Data flexível em alguns municípios
Na avaliação do infectologista David Uip, o pico da pandemia no Brasil ainda não chegou, ainda que alguns estados já tenham apresentado reduções nas taxas de contágio. “Regionalmente, os estados do Norte e Nordeste já avançaram [no combate ao vírus]. Em contrapartida nos estados do Centro-Oeste e Sul está aumentando”, disse. “As suas capitais do Sudeste, provavelmente, já atingiram o pico. Mas, neste momento, vivemos a interiorização, extremamente preocupante”.
Barroso sugeriu a possibilidade de flexibilizar a data de realização do pleito em alguns municípios por algumas semanas, caso os estudos ainda mostrem risco pontual de contágio na nova data firmada pelo Congresso. “Pode acontecer em algumas partes do Brasil que em 15 de novembro, por exemplo, ainda seja recomendável o adiamento por algumas semanas”, ponderou.
O relator da PEC, senador Weverton Rocha (PDT-MA), só fechará seu relatório após as considerações da sessão de hoje. Ele acrescentou que as únicas mudanças que estarão na PEC dirão respeito à situação sanitária emergencial, em virtude da covid-19. Weverton, inclusive, negou um pedido do presidente do Senado e do Congresso, Davi Alcolumbre, de incluir um dispositivo para trocar permanentemente a data da posse do dia 1º para 2 de janeiro.
“Tudo que for assunto de direito eleitoral, lei eleitoral e reforma política vamos tratar no momento oportuno. O relatório atual será única e exclusivamente para este momento que a nossa história está vivendo”.