Ao admitir a possibilidade de conceder à iniciativa privada os serviços de fornecimento de água e tratamento de esgoto, a prefeitura de Cuiabá cogita vender um patrimônio do qual não é proprietária exclusiva. O município deve cerca de R$ 80 milhões para o governo do Estado por ter herdado o setor. A dívida milionária é proveniente da transferência há mais de 10 anos dos serviços com o processo de liquidação da Companhia de Saneamento de Mato Grosso (Sanemat). Anualmente, o governo vem abatendo o crédito que tem de acordo com o consumo de água das secretarias e órgãos do Estado na tentativa de extinguir o débito.
Para conceder os serviços à iniciativa privada, como vem planejando o prefeito Chico Galindo (PTB), o município terá que garantir que a empresa a ser escolhida em processo licitatório continue pagando a dívida através do fornecimento de água gratuito para o governo. O problema é que a lei aprovada pela Câmara de Vereadores no último dia 12 e que vem gerando muita polêmica isenta o município e a concessionária da possibilidade de qualquer indenização em relação às dívidas atuais da Companhia de Saneamento da Capital (Sanecap).
Galindo garante que, mesmo com essa provisão legal, deverá fazer em 30 ou 45 dias processo licitatório prevendo textualmente que a concessionária assuma as dívidas da Sanecap. Segundo ele, os valores somam mais de R$ 200 milhões (incluindo o débito com o governo de Mato Grosso, R$ 100 milhões junto à Rede Cemat, distribuidora de energia elétrica, e outros credores que ainda estão sendo estudados). "Isso não vai ser problema. Vamos incluir essa questão claramente no edital, se a concessão for a vontade da sociedade para melhorar o atendimento nas residências".
O procurador-geral do Estado, Jenz Prochonow, também alertou ontem para a dívida. Alega que os débitos terão que continuar sendo honrados independentemente de quem gerir os serviços. "Essa é uma questão a ser levada em consideração, mas não é um problema sem solução".
As dívidas da Sanecap estão sendo avaliadas através de um auditoria contratada pelo atual presidente da Companhia, Aray Fonseca. Relatório oficial obtido por A Gazeta, no entanto, aponta que as pendências ainda são grandes. Desde a repactuação feita pelo então diretor-comercial da instituição, Dejair Soares, o montante era de R$ 78,9 milhões em junho de 2010. Pela média de consumo anual de água do governo, o valor deve ser de cerca de R$ 75 milhões. A cada ano, o governo do Estado atesta o consumo de água aferido pela Sanecap e confirma o abatimento do valor da dívida total.
Embate – A possibilidade de concessão dos serviços vem acirrando os ânimos da classe política, inclusive por parte dos aliados do prefeito Chico Galindo. O presidente municipal do PSDB, deputado estadual Guilherme Maluf, promete colocar em votação na segunda-feira (25) proposta de rompimento do apoio. O PMDB já avisa que a aliança mantida atualmente é apenas na esfera administrativa e não significa nenhum compromisso eleitoral para 2012.
Maluf alega que a possibilidade de rompimento vai ser colocada em votação porque essa proposta já vem sendo defendida internamente por alguns setores, conforme revelou o jornal A Gazeta. A concessão, por outro lado, acelerou o debate. Ele também não esconde insatisfação com a proposta. Os tucanos contam com os secretários Edivá Alves (Trânsito e Transporte Urbano), Permínio Pinto (Educação), Guilherme Muller (Finanças) e Paulo Borges (Infraestrutura), além de 4 vereadores na Câmara Municipal.
No caso do PMDB, o presidente da sigla em Cuiabá, Clóvis Cardoso, adianta que os vereadores Domingos Sávio e Arnaldo Penha votarão a favor da anulação da lei aprovada pela Câmara, se chegar alguma proposta nesse sentido em plenário. "O combate à privatização da água sempre foi uma bandeira do partido e todos compreendem isso". Os peemedebistas contam com os secretários Tânia Aparecida Barteli (Turismo) e Mário Lúcio (Assistência Social).
O prefeito Chico Galindo afirma não ver motivo para muita polêmica no momento. Alega que a concessão é apenas uma possibilidade prevista na lei sancionada na sexta-feira (15) pelo vereador e prefeito em exercício na ocasião, Júlio Pinheiro (também do PTB). Admite, no entanto, que deverá lançar processo licitatório para se livrar dos serviços no prazo de 45 dias. Sobre as críticas do PSDB, rebateu ironizando que os tucanos foram os responsáveis por privatizar vários setores, inclusive o fornecimento de energia elétrica em Mato Grosso.