O projeto de Lei Orçamentária Anual (LOA) apresentado por Mauro Mendes (DEM) à Assembleia Legislativa prevê R$ 3,4 bilhões em incentivos fiscais, valor próximo ao que foi concedido pelo então governador Pedro Taques (PSDB) em 2018, R$ 3,6 bilhões. Para este ano, o orçamento previsto do Estado é de R$ 19,2 bilhões, com R$ 20,9 bilhões em despesas, segundo projeto da LOA.
Mas esse valor é apenas uma estimativa e pode ser ainda maior no fechamento das contas no final do ano. É o que afirma a economista e doutoranda, Lucineia Soares. “A Lei Orçamentária Anual é uma estimativa de renúncia, que pode ser maior na hora de se concretizar”.
A maior parte da renúncia fiscal, R$ 1,7 bilhão, será concedida através do Programa de Desenvolvimento Industrial e Comercial de Mato Grosso (Prodeic). Criado em 2003, o Prodeic concede benefício fiscal durante 10 anos para a seção de indústria de transformação, que tem a fabricação de produtos alimentícios, bebidas, produtos de madeira, celulose, borracha e material plástico, minerais não-metálicos, metalurgia, móveis, entre outros.
Nesse programa foram descobertos esquemas de fraude, onde as empresas pagavam propina para receberem os incentivos fiscais, ou seja, deixarem de pagar impostos. Nesse esquema estavam envolvidos o ex-prefeito de Várzea Grande, Wallace Guimarães, o ex-secretário de Casa Civil, Pedro Nadaf, o ex-deputado estadual, José Geraldo Riva, e o ex-governador Silval Barbosa.
Um setor que fez muitas críticas às alterações no Fundo Estadual de Transporte e Habitação (Fethab) aprovadas na última semana, os produtores de algodão irão receber R$ 268 milhões através do Programa de Incentivo ao Algodão de Mato Grosso (Proalmat).
O menor valor de renúncia fiscal será de R$ 800 mil, através do Programa de Desenvolvimento Científico e Tecnológico de Mato Grosso (Prodecit), que concede descontos de 50% a 100% do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) nas operações envolvendo projetos de investimento em tecnologia por uma década.
Para a economista, no senso comum costuma-se pensar que incentivos fiscais são apenas números que impactam a economia, mas eles vão além, são decisões políticas e, como tal, muitas vezes privilegiam apenas um lado. “Incentivo fiscal quer dizer que a sociedade, como um todo, aceita que não irá receber parte do que deveria entrar nos cofres públicos para ter outro retorno. Mas porque a renúncia fiscal para os produtores rurais, e até o comércio, como já tivemos, e não para o desenvolvimento do turismo? É uma decisão política. Incentivar um determinado segmento e não outros”.
Não só Mato Grosso utiliza esse tipo de recurso, que um setor deixe de contribuir por um período, como forma de impulsionar a economia. Mas entre os problemas desse tipo de incentivo, está a falta de transparência e também os critérios de seleção, que podem ser usados como forma de receber propina.
“As renúncias fiscais são uma política válida, mas tem que ser monitorada pelo Estado. No Rio de Janeiro esses mecanismos também foram utilizados para a corrupção, como aqui em Mato Grosso, que foi revelado pela delação premiada do ex-governador Silval Barbosa”, explica Soares.
Um fator importante quando se concede incentivo fiscal é o controle da contrapartida oferecida por quem participa do benefício. Por exemplo, se uma indústria deixa de pagar determinado imposto, ela deve gerar empregos, renda e desenvolvimento regional. Porém, no estado não existe um controle desse outro lado da moeda.
E esse assunto não é novo. Em 2009, o Tribunal de Contas do Estado (TCE) elaborou um relatório em que foram analisados os incentivos fiscais concedidos em Mato Grosso. Entre os resultados apresentados no documento, o TCE afirma que faltam “medidas eficazes para o controle de resultados inerentes aos incentivos fiscais programáticos concedidos” e que há “fragilidade do sistema de controle da concessão dos incentivos fiscais não programáticos”.
Uma pesquisa parecida foi desenvolvida pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) em 2005, a pedido da extinta Secretaria de Estado de Indústria, Comércio, Minas e Energia (Sicme). O estudo apontou “desempenho pouco satisfatório na geração de emprego, especialmente se considerarmos as metas propostas pelas próprias empresas beneficiadas”, além de “falhas em sua gestão”.
Além da falta de fiscalização e controle do Estado, o processo também não é transparente. Tanto na LOA quanto no orçamento executado, só são divulgados os valores totais de incentivo por programa e o número de empresas beneficiadas, mas não quanto cada uma deixou de contribuir para o Estado.
“A Sefaz não passa nem mesmo para o TCE as relações das isenções por empresa, sob a alegação que são dados de sigilo bancário, o que é respaldado pelo Judiciário. Isso teria lógica se fossem recursos próprios, mas são recursos públicos que não são arrecadados, ou seja, é dinheiro público”, avalia a economista.
O quesito falta de transparência também é alvo de reclamações por parte dos servidores da receita estadual. Presidente do Sindicato dos Profissionais de Tributação Arrecadação e Fiscalização de Mato Grosso (Siprotaf), Leovaldo Duarte afirma que a isenção fiscal é benéfica, no entanto, são necessários critérios claros para a concessão transparência nos dados.
“Somos a favor de que os incentivos sejam dados de forma ordenada e também não podem ser eternos. Tem que ter critérios e ser igual para empresas do mesmo setor, para não haver concorrência desleal. Muita coisa precisa ser revista”, explica Leovaldo.
Falar em incentivos fiscais não é algo novo no cenário mato-grossense. Um dos instrumentos mais antigos usados para esse fim foi a Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia (SPVEA) criada em 1953 para garantir a ocupação da Amazônia brasileira, que inclui Mato Grosso, Pará, Amazonas, Maranhão, Acre e outros estados. Mais tarde a SPVEA se transformaria em Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM).
“Eram concedidas renúncias no Imposto de Renda para as empresas que quisessem se instalar na Amazônia Legal, com reivenstimento de até 50% do Imposto de renda na própria indústria. É uma política usada há muito tempo, o problema é que vai se perpetuando a retirada de recursos que deveriam ir para os cofres públicos”.
Mesmo sendo recurso antigo, as renúncias fiscais passaram a ter crescimento mais expressivo a partir de 2003, quando o governador era Blairo Maggi (PP), com a criação da Lei nº 7.958, que criou vários programas de desenvolvimento econômico, como o Prodeic. Foi também a partir desse ano que as Lei de Diretrizes Orçamentárias passaram a estimar a renúncia de receitas provenientes de incentivos fiscais.