O procurador de Estado aposentado Francisco Gomes de Andrade Lima Filho, o Chico Lima, confirmou ter recebido valor de propina em audiência com a juíza da Vara Criminal, Selma Arruda, no esquema de corrupção que desviou R$ 15 milhões por meio de desapropriação de uma área no bairro Jardim Liberdade, em Cuiabá, em 2014.
"Eu dei o parecer no processo, que foi reapreciado por dois outros procuradores e eu apresentei realmente o proprietário da área ao senhor Pedro Nadaf [ex-chefe da Casa Civil] e interferi de certa maneira pra que fosse efetuada essa desapropriação. (…) Eu recebi valores a mais daquela pessoa que estava pagando propina".
Chico Lima afirma que tinha um negócio antigo com o empresário do ramo de factoring e delator, Filinto Muller, que foi o operador da lavagem de dinheiro e repassou valores ilícitos da desapropriação ao ex-procurador. "Eu tinha dinheiro com ele e ele foi pagando isso aí. Ele estava protelando e foi uma maneira que eu consegui para receber", disse. Segundo ele, havia créditos a receber de Filinto, o que foi pago e ainda houve uma ultrapassagem de R$ 200 mil no valor que ele acabou recebendo.
"Eu já conhecia o Antônio desde 1980, ele fez o projeto de arquitetura da minha casa. E um dia eu fui na Polícia Federal fazer passaporte e encontrei ele lá. Ele me contou que estava morando no Canadá, que tinha acabado toda a empresa dele aqui e estava morando no Canadá. Eu falei: Olha, estou trabalhando na Procuradoria do Estado, se precisar de alguma coisa, pode me procurar", relata Chico ima sobre seu envolvimento com o ex-proprietário da área do Jardim Liberdade e delator nesta ação, Antônio Rodrigues de Carvalho.
Nesta ocasião, segundo o réu, o arquiteto lhe falou que havia um processo antigo de pedido de desapropriação e pediu ajuda dele para obter êxito em sua demanda.
Já em janeiro de 2014, Chico Lima afirma que foi procurado por Pedro Nadaf, que queria saber se o processo de desapropriação da área estava com tudo em ordem, o que foi confirmado. O problema é que não havia recurso destinado para pagar a indenização ao dono da imobiliária Santorini Empreendimentos Imobiliários Ltda, o que se tornou tema de debate no Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (Condes), para definir o remanejamento de valores.
Posteriormente, Pedro Nadaf teria falado a Chico Lima que teria que haver um "retorno", ou seja, propina do dono da área em troca da desapropriação. O ex-procurador afirma que repassou a proposta para Antônio Carvalho, que inicialmente ficou reticente.
Após Antônio Carvalho concordar com o pagamento da propina, Chico Lima afirma que apresentou Filinto Muller a Pedro Nadaf, mas eles já se conheciam, e disse que ele era quem seria o operador do esquema de lavagem de dinheiro. Pedro Nadaf explicou a Filinto Muller como seria a operação, na qual ele teria que repassar R$ 10 milhões ao empresário e credor do ex-governador Silval Barbosa, Valdir Piran, também teria explicado que ele, Filinto, ficaria com 3% dos valores recebidos da desapropriação por meio da empresa do advogado da Santorini Empreendimentos, Levi Machado.
O procurador aposentado afirma que por conta de sua amizade de mais de 20 anos com o dono do terreno desapropriado, acompanhou a tramitação do processo. Como Antônio Carvalho vivia no Canadá, este era quem telefonava para Chico Lima e saber notícias do caso.
O réu, respondendo às perguntas da promotora de Justiça Ana Cristina Bardusco, revê os pareceres que emitiu. Ela mostra que houve alteração de datas nos documentos, diz que houve "adulteração de propósito" e pergunta por que ele fez aquilo. Chico Lima diz que não fez de propósito, que não se recorda, mas que pode ser que tenha se atrapalhado.
Réu explica o motivo pelo qual o valor da indenização não foi pago para a imobiliária e sim para a factoring do advogado Levi Machado. Segundo Lima, Levi teria lhe contado que a Santorini estava com muitas execuções e cobranças por parte da Caixa Econômica e da Receita Federal, que exigiam débitos de mais R$ 60 milhões.
Chico Lima nega que tenha conversado com o então governador Silval Barbosa sobre a propina da desapropriação. Segundo ele, o assunto foi tratado por ele com Pedro Nadaf, que foi quem lhe contou da dívida de Silval com Valdir Piran. Ele nega que tivesse conhecimento anterior disso. Ele também afirma que Pedro Nadaf lhe garantiu parte da propina, sem determinar o valor específico. "Não ficou determinado nada. O Pedro pagava muita coisa lá".
Chico Lima afirma que soube por Pedro Nadaf que o então presidente do Instituto de Terras de Mato Grosso (Intermat), Afonso Dalberto, também receberia parte do dinheiro desviado, em torno de R$ 600 mil. “O Pedro falou pra mim: O Afonso vai passar os nomes que vão receber os valores”. Ele afirma que recebeu de Afonso Dalberto uma lista de nomes e contas bancárias, o que posteriormente ele entregou para Filinto Muller efetuar os pagamentos.
A promotora pergunta se Chico Lima recebeu incumbência do então governador para identificar a oportunidade de corrupção e ele nega, dizendo que não tinha intimidade com Silval Barbosa para tratar desses assuntos.
Ana Bardusco pergunta quem foi que cobrou a propina de Antônio Carvalho e ele admite que foi ele mesmo, em seu então gabinete, a pedido de Pedro Nadaf, que também participou da reunião. Nesta ocasião, o arquiteto não deu resposta se aceitaria ou não pagar a propina. Somente depois é que este procurou Chico Lima e avisou que aceitaria os termos.
Ana Bardusco questiona sobre a participação de Marcel de Cursi no esquema e Francisco Lima nega que ele tenha tido qualquer participação. “A senhora conhece o Marcel do tempo que trabalhou na Sefaz, ele é muito reservado. O Marcel não teria nenhuma capacidade de fazer isso! Eu fiquei até surpreso do Antônio ter falado isso”, afirmou.
O réu também nega conhecer participação do ex-secretário de Planejamento Arnaldo Alves de Souza Neto no esquema.
Chico Lima nega a afirmação do ex-chefe de gabinete Sílvio César Corrêa Araújo, citado por Ana Bardusco, de que ele seria responsável por dar pareceres favoráveis em processos em que havia interesses de obter retorno. Ele afirma que estava a disposição da Casa Civil.
O réu admite que foi ele quem apresentou o advogado Levi Machado ao empresário de factoring Filinto Muller, durante uma reunião que ocorreu em seu gabinete para que Levi soubesse a quem ele repassaria o valor da propina, ou seja, os R$ 15 milhões.
Chico Lima afirma que não estava preocupado em receber a propina prometida por Nadaf, mas sim em receber o crédito que tinha junto a Filinto Muller, pois sabia que ele estava "quebrando" e fazendo negócios espúrios, como comprar cheques roubados na praça. Segundo ele, o crédito inicial seria de R$ 600 mil, dos quais ultrapassaram R$ 200 mil.
A promotora pergunta se Chico Lima teve conhecimento de outros casos, como Sílvio César ter ameaçado de morte quem fosse delator, Marcel de Cursi ter comprado ouro para lavar dinheiro de propina e recebimento de propina por parte de Arnaldo Alves e ainda que Alan Malouf teria lavado dinheiro de Arnaldo. Ele diz que ficou sabendo apenas o que viu na imprensa e classifica como "conversa fiada" a imputação feita ao ex-chefe de gabinete Sílvio, que, segundo ele, estaria muito estressado enquanto esteve no presídio.
A promotora pergunta sobre a postura de Marcel de Cursi nas reuniões do Condes e ele diz que o então secretário de Fazenda sempre dizia que não tinha dinheiro para novos gastos do governo.
Após verificar uma série de papéis apresentados pela promotora, Francisco reconhece pagamentos de cerca de R$ 680 mil que recebeu de Filinto Muller. Ele nega que seja propina, mas sim créditos, dos quais se ultrapassou R$ 200 mil.
Com o objetivo de desconstituir a credibilidade de Filinto Muller, que é colaborador do MPE na ação penal, a defesa de Arnaldo Aves pergunta a Chico Lima sobre o passado de Filinto e ele diz que desde a adolescência, este começou no ramo financeiro comprando cheques roubados e também citou que havia um esquema na antiga Cepromat.