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Presidente da Câmara dos Deputados acusado de cobrar propina

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O juiz do escândalo do mensalão, o parlamentar que, na condição de presidente da Câmara dos Deputados, vai presidir o processo de cassação dos dezoito acusados de receber propina, quem diria, foi ele próprio atingido por um sério indício de que achacava um empresário. É feio, mas tudo indica que Sua Excelência recebeu um “mensalinho”. O primeiro pagamento da propina de 10 000 reais ao deputado Severino Cavalcanti saiu no dia 12 de março de 2003, uma quarta-feira. A propina de abril foi paga em duas prestações: uma no dia 9, outra no dia 16. No mês seguinte, voltou a ser dividida em duas parcelas, sendo a primeira paga no dia 7 de maio e a segunda no dia 15. Em junho, o pagamento foi à vista: 10 000 reais pagos no dia 11, também uma quarta-feira. E assim foi-se cumprindo o cronograma de desembolso ao longo do ano de 2003 até o último pagamento de que se tem notícia, realizado no dia 12 de novembro. O registro minucioso dessa transação clandestina foi feito pelo empresário Sebastião Augusto Buani, 54 anos, dono do restaurante Fiorella, instalado no 10º andar do prédio anexo à Câmara dos Deputados. Em julho passado, acossado por crescentes dificuldades comerciais, Buani escreveu duas folhas de próprio punho narrando sua relação com Severino e, num toque talvez involuntário de picardia, deu até título ao manuscrito: “A história de um mensalinho”. O manuscrito foi mais tarde digitado em um computador e guardado.

Para quem jamais andou pelos corredores da Câmara dos Deputados, a suspeita de que um concessionário de espaço comercial da Casa tenha sido achacado por Severino pode parecer uma tremenda surpresa, mas os comentários de que isso acontecia eram recorrentes. Na Câmara, existem vários concessionários de espaços destinados a restaurantes, farmácias, lanchonetes, agências de viagens, bancas de jornal. Em geral, há uma concorrência para cada local, e o vencedor passa a pagar uma quantia mensal. Pela concessão de seu restaurante, por exemplo, Buani deveria estar pagando 11 580 reais mensais à Câmara – mas, em dificuldades, já deve 105 000 reais. A suspeita de que os concessionários são forçados a pagar, por fora, além do que prevê a lei é tão insistente que, recentemente, voltou a se espalhar a partir de um movimento banal. Um assessor de Severino esteve na diretoria-geral da Câmara e pediu cópia dos contratos de todos os concessionários. Pronto. Foi o que bastou para que os concessionários começassem a ficar de cabelo em pé com o que poderia estar por vir.

“A história de um mensalinho” é o primeiro indício concreto de que as suspeitas de achaques de Severino podem ser verdadeiras. O texto de Buani, ao qual VEJA teve acesso, é riquíssimo em detalhes. Ele informa que os envelopes com a propina de Severino eram entregues “às senhoras Gabriela e Ruceli”. Acrescenta que as propinas pagas em setembro (pagamento à vista, no dia 11) e em outubro (dois pagamentos, dias 8 e 16) foram feitas diretamente ao deputado Severino, em pessoa. Conta, ainda, que não conseguiu juntar os 10.000 reais para pagar a propina de agosto porque no mês anterior o movimento de seu restaurante foi fraco. Então, no dia 13 de agosto, despachou um envelope com apenas 6.000 reais, entregue nas mãos de “Ruceli”. Severino ficou uma fera com o abatimento na propina. “Levei uma bronca do deputado por telefone”, relata o empresário. Buani anotou até a hora em que as propinas foram pagas. A de 13 de agosto, abatida em 4.000 reais, por exemplo, foi paga às 16h56. Era sempre no fim da tarde, entre 16h e 18h30. Nunca antes disso. Nunca depois disso.

No gabinete de Severino, há duas secretárias. Gabriela Kênia dos Santos da Silva Martins trabalha ali desde 2002. A outra é Rucely Paula Camacho. Está com Severino desde 2001. Elas não se lembram de receber envelopes de Buani ou seus funcionários. “Como é que vou lembrar de uma coisa que aconteceu em 2003?”, diz Gabriela Martins. “Posso ter recebido envelope, mas não me lembro”, diz Rucely. A memória de Buani é implacável quando se trata de narrar os desembolsos para Severino. “O seu cartão de crédito” – escreveu Buani – “pelo menos uma vez eu paguei em cheque. Foi descontado pelo motorista do deputado na agência Bradesco 0241, com a gerente do banco cujo nome é Jane. Tive de confirmar o cheque para que fosse pago.” Na agência 0241, havia de fato uma gerente chamada Jane de Albuquerque, que hoje trabalha no Sudameris. Ela confirmou a VEJA que cuidava da conta de Buani. “Liguei a ele para confirmar alguns cheques”, relembra. “É regra do banco. Cheque acima de 5.000 reais precisa desse procedimento.” A quebra de sigilo bancário de Buani revelará a identidade do sacador, caso o cheque não tenha sido endossado pelo empresário. E, se aparecer o nome de um dos três motoristas de Severino naquele período, será um caso facilmente liquidado.

Apesar da fartura de detalhes, cabe uma indagação: e se Buani inventou toda essa história? Ele não pode ter criado um relato comprometedor para Severino só para arrancar vantagens para seu restaurante? Afinal, no próximo dia 14 de setembro vence a concessão do restaurante, e Buani, que gostaria de ver sua concessão renovada por mais um ano, terá de fazer as malas. Ele não poderia estar chantageando o deputado Severino? “Este homem é um chantagista”, disse Severino a VEJA. “Isso é uma mentira. Ele é um canalha, safado! Esse homem não merece as calças que veste”, repetiu, dando tapas na mesa de sua casa oficial, onde recebeu VEJA cercado por seis auxiliares – um advogado, três assessores de imprensa e dois funcionários da Câmara. De início, Severino disse que só conhecia Buani por alto, por freqüentar seu restaurante, e que jamais o recebera em seu gabinete. Mais adiante, Severino admitiu até que Buani vivia em seu gabinete levando “pleitos de várias naturezas”. Mas negou a propina.

A defesa de Severino tem muito adjetivo, e pouca substância. O contrato de concessão de Buani para explorar o restaurante encerrou-se em janeiro de 2003, depois da quarta e necessariamente última prorrogação. Buani, no entanto, não foi convidado a se retirar. O deputado Severino mandou que fosse feita uma licitação para escolher o novo concessionário, mas a licitação não se realizou, e ficou tudo por isso mesmo. De tal modo que Buani operou seu restaurante ao longo de todo o ano de 2003 sem nenhum amparo legal. O que havia de extraordinário nesse ano? No relato de Buani, foi o ano da propina. Com dificuldades financeiras, o empresário diz que não conseguiu mais pagar a propina a partir de dezembro de 2003. Por uma incrível coincidência, em fevereiro de 2004, dois meses depois da suspensão da propina, seu império começou a ruir. Buani tinha oito concessões na Câmara, entre restaurantes e lanchonetes. Naquele mês, perdeu seis. Ele especula: “Não sei se foi por punição”. Na concorrência aberta em setembro de 2004, Buani conseguiu habilitar-se para ocupar o seu espaço atual no 10º andar – o tal que vence nas próximas semanas.

O ponto mais frágil da defesa de Severino, no entanto, refere-se ao que se passou em 2002. No início daquele ano, Buani quis prorrogar a licença para seu restaurante por mais algum tempo e procurou o deputado – que, na época, era o primeiro-secretário e cuidava justamente desse tipo de assunto. Buani relata que conseguiu a prorrogação que queria, mas teve de desembolsar 40.000 reais para Severino e o deputado Gonzaga Patriota, do PSB de Pernambuco. Ele escreveu: “Insistiram tanto que paguei 40.000. Entreguei 20.000 ao Severino e 20.000 ao Gonzaga Patriota”. A prorrogação veio na forma de um documento, assinado por Severino em abril de 2002, mas que não tinha nenhum valor legal. É o documento mais escandaloso e comprometedor de toda essa história. Ali, num clandestino ato de ofício, Severino prorroga a licença de Buani até 2005. Severino não tinha poderes para isso e, ao fazê-lo, produziu uma prova cabal das relações promíscuas que manteve com Buani. “É, esse documento vai derrubar o Severino”, lamentou um assessor do deputado, olhos marejados, ao perceber a gravidade do problema. O documento, ao qual VEJA teve acesso, está nos arquivos de Buani.

O deputado Gonzaga Patriota admite que foi procurado por Buani, mas nega peremptoriamente ter recebido dinheiro. Já Severino, que assinou o documento, afirma o seguinte: “Eu sou um homem experimentado. Tenho mais de quarenta anos de vida pública, mas não tenho a menor lembrança de ter assinado esse documento dando a prorrogação. O que pode ter acontecido é ter juntado esse negócio, ou alguém ter botado no meio dos documentos e eu ter assinado sem ler”, diz Severino. E prossegue: “Acredito que não tenha assinado, mas pode ser que, numa hora lá… Posso ter assinado. Alguém pode ter incluído nos documentos de maneira criminosa e mal-intencionada. Esse homem é capaz de tudo”. O empresário Sebastião Augusto Buani tem 54 anos e vive do ramo de alimentação. Ele foi procurado por VEJA na quarta-feira passada, na hora do almoço. Ouviu um relato resumido das informações que a revista tinha e decretou: “Não conheço nada dessa história”. VEJA, então, desceu aos detalhes: valores, datas, agência do Bradesco, envelopes para Gabriela e Rucely, bronca por telefone e… O empresário apenas escutou, mordeu os lábios, olhou para o teto e perguntou: “Como é que eu saio dessa?”. VEJA recomendou que contasse a verdade. Buani pediu para voltar a falar com a revista passada a faina do almoço em seu restaurante. Não deu mais notícia.

 

 

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