O Poder Legislativo municipal se desaparecesse do arcabouço institucional brasileiro, certamente não faria falta a ninguém. Pelo menos ao cidadão que leva a vida a sério. Aos que enxergam no Poder Público uma oportunidade de tirar ao proveito próprio e favorecer aos amigos mais chegados, ai sim, a falta será grande.Um exemplo: enquanto pessoas humildes padecem na fila do Pronto Socorro Municipal a espera de atendimento, ou outros enfrentam meses e meses para se submeter a uma cirurgia porque sofreu um acidente, vereadores, no conforto de seus gabinetes em prédios que se denominam palácios, fazem a farra: em dois anos, só para se ter uma idéia, gastaram R$ 13.091,00 apenas comprando biscoito de água e sal. Com biscoito doce, os waffers, foram R$ 11,3 mil em dois anos.
O raciocínio a ser aplicado nesses dois itens é simples. Basta pegar um professor, aquele cidadão que é responsável pela formação dos filhos do trabalhador, que tem a missão de ensinar, repassando conhecimentos para aos que recebem o título de “futuro da nação”. Esses profissionais estão lutando a duras penas para ganhar o piso de R$ 1.050,00. Em outras palavras, fazendo as contas, se os vereadores de Cuiabá deixassem de comer bolachinha, o dinheiro poderia ser usado para pagar um ano de salário de um profissional. E profissional bem remunerado. Isso não é mesquinharia: é interesse público.
Mesmo porque o cidadão não paga impostos para sustentar prazeres da comilança legislativa. Além das bolachinhas, os vereadores gastaram em dois anos R$ 15.711,00 em suco concentrado; R$ 9.948,25 em torradas; R$ 11,379,70 em chá mate e, para os gostos mais diferenciados, R$ 9.901,50 com chá de erva cidreira, erva-doce, camomila, hortelã, maçã, canela, entre outros; R$ 9.129,00 com refrigerantes; R$ 38.409,30 com pó de café; R$ 15.128,00 com açúcar; R$ 921,00 com manteiga; R$ 810,15 com maionese e por ai vai.
Lembrete: a Câmara Municipal de Cuiabá – assim como de resto grande parte dos legislativos municipais em Mato Grosso – praticamente não legisla nada que interessa ao cidadão e, muito menos, fiscaliza o Executivo. Se alguém quiser fazer um teste, que passe um dia no Legislativo, acompanhe uma sessão ou procure verificar os 20 ultimos projetos que se transformou em lei.
A “bandalheira” legislativa é como uma noite lancinante, onde o carrasco usa, abusa, lambuza e nunca se sacia de subverter o dinheiro público. O resultado da auditoria contratada pela gestão de Deucimar Silva (PP) envolve apenas o período de dois anos em que o vereador Luthero Ponce de Arruda (PMDB), que integra o rol das famílias ditas quatrocentonas da vida local, administrou o Legislativo. O vereador já recebeu uma cópia da auditagem e deu de ombros. Em verdade, Luthero apenas seguiu uma “escola” de administração da Câmara que vem de longas e longas datas, mas que ganhou notoriedade de falcatruas espetaculares a partir da gestão de Chica Nunes (PSDB), hoje deputada estadual. Na época dela, até vestido foi comprado com o dinheiro público.
O relatório da Síntese Auditoria é rico em causar fadiga e enjôo estomacal. Digno de provocar náuseas. Além da comilança desenfreada, há, entre tantos outros sinais de desmandos e desleixo, um exemplo que soa cômico: o gasto de R$ 64.705,90 com serviço de dedetização, realizado por quatro empresas. Dessas, algumas curiosidades. A Medeiros & Curvo Ltda não é especializada no assunto; a “Limpa Bem” cuida de lavagem e lubrificação de veículos; e Limpartec tem como objeto social a fabricação de produtos de limpeza e polimento e apresentou notas fiscais vencidas para receber R$ 36,7 mil. Para esse serviço é preciso que a empresa seja autorizada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Nenhuma é. Agora, ria se quiser: a par do gasto, fotografias tiradas no começo do ano mostraram paredes e divisórias do prédio danificadas pela ação de cupins. Sem conseguir “debelar” os insetos, seria melhor usar dinheiro para caçar ratos.
A auditoria é prospera em mostrar aberrações. De acordo com Deucimar Silva, o trabalho foi necessário para mostrar transparência e tentar dar um novo sentido a um poder desgastado e desacreditado perante a opinião pública e junto aos eleitores. O resultado, até aqui, mostra que é passível de condenar sem sequer precisar de julgamento justo. Com certeza, colocar na cadeia os que usurparam do dinheiro do cidadão, retirado na compra de uma simples caixa de fósforo, não faria mal algum para a democracia. Infelizmente, o ritual é lento e a memória do cidadão é curta. Daqui a menos de dois anos, as ruas vão estar infestadas de cabos eleitorais e gente brigando para garantir votos para este ou aquele. E a roda viva da roubalheira seguirá seu curso.
Por falar em caixas de fósforo, a Câmara de Cuiabá, na gestão anterior, gastou R$ 2.236,20 comprando fósforos. Uma caixa de fósforo custa em torno de 10 centavos. Ou seja: a Câmara comprou 22 mil unidades. Resta saber para que ou se é que comprou.