O governo e o Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF, sigla em inglês) investirão US$ 81 milhões (cerca de R$ 180 milhões) na preservação e uso sustentável do Cerrado e na valorização dos conhecimentos tradicionais das populações da região. Os recursos, US$ 27 milhões do GEF e US$ 54 milhões de contrapartida do governo federal e de governos estaduais, serão usados na criação de unidades de conservação, como parques e reservas extrativistas, no apoio a comunidades tradicionais, em mudanças no modelo de produção agropecuária, na elaboração e implementação de políticas públicas e no monitoramento dos remanescentes do bioma. O investimento apóia ações do Programa Cerrado Sustentável.
O programa, lançado no último dia 8 pelo Decreto 5577 da Presidência da República, foi elaborado desde 2003 e é o primeiro voltado ao uso sustentável do bioma e provavelmente o único no mundo para a proteção de uma região de savanas. A iniciativa envolve sete ministérios, autarquias federais, instituições de pesquisa, entidades de classe, governos estaduais e municipais e sociedade civil que conjuntamente deverão encontrar meios para garantir o uso equilibrado do Cerrado. “O programa supriu uma lacuna para a proteção do Cerrado, que, assim como o Pampa e a Caatinga, eram considerados biomas de menor relevância”, disse João Capobianco, secretário de Biodiversidade e Florestas do MMA.
De acordo com Mauro Pires, coordenador do Núcleo do Cerrado do MMA, ainda não há estímulos públicos para valorizar a manutenção das matas do bioma e fazer frente ao desmatamento, impulsionado pelo avanço descontrolado da fronteira agrícola e pela produção de carvão. Segundo ele, se os custos da destruição do Cerrado fossem contabilizados, a produção agrícola não seria tão competitiva na região, por exemplo. Além disso, conforme Pires, é preciso buscar alternativas energéticas urgentes para a siderurgia, como a plantação de árvores. “É necessário reduzir os incentivos econômicos ao desmatamento. Não faz mais sentido abrir novas áreas para pasto ou agricultura, pois existem milhares de hectares abandonados ou sub- aproveitados na região”, disse.
Preservar o Cerrado é importante porque se trata de uma das áreas de savana mais ricas do planeta em espécies animais e vegetais. Possui grande número de plantas medicinais, abriga nascentes das grandes bacias hidrográficas nacionais, como as dos rios Amazonas, São Francisco, Parnaíba, Paraguai e Tocantins, além de fazer o “meio-de-campo” entre os outros biomas brasileiros, contribuindo diretamente para sua sobrevivência. “O Ministério do Meio Ambiente não tem nada contra a soja, o eucalipto ou o boi, apenas queremos garantir que essas atividades econômicas se dêem dentro de uma visão de conservação e perenidade dos biomas brasileiros”, salientou Capobianco.
Reduzir a derrubada indiscriminada de florestas e criar novas áreas protegidas serão ações fundamentais para a proteção e recuperação do bioma. Hoje, não há nenhuma reserva extrativista no bioma, e menos de 3% do Cerrado estão resguardados em unidades de conservação federais e estaduais, enquanto que o mínimo recomendado seria de 10%. Conforme Pires, se o Código Florestal Brasileiro fosse respeitado, matas de galeria e em áreas de preservação permanente (margens de rios, córregos e nascentes, por exemplo) seriam preservadas. Isso garantiria, segundo ele, a preservação de pelo menos 30% da área do Cerrado.
O uso das plantas medicinais também poderá estimular a preservação do bioma, uma verdadeira “farmácia viva”. Para se ter uma idéia desse potencial, grande parte da produção brasileira de Fava-danta (Dimorphandra mollis Benth), planta nativa do Cerrado, é usada por um grande laboratório na extração da rutina. A substância é usada na fabricação de medicamentos que fortalecem os vasos sangüíneos e capilares, sendo indicada no tratamento de glaucomas e de varizes.
Com a aprovação do Projeto de Lei de Acesso aos Recursos Genéticos, a pesquisa, o uso e a repartição de benefícios oriundos da biodiversidade brasileira, incluindo a do Cerrado, será estimulada e regulada. O texto será enviado em breve ao Congresso Nacional.