A Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA) promoveu hoje uma audiência pública para discutir os impactos da moratória da soja e a suspensão da Lei 12.709, de 2024, de Mato Grosso, pelo Supremo Tribunal Federal (STF). A norma estadual proíbe que sejam oferecidos incentivos fiscais a empresas que assumam compromissos privados de restringir a atividade agropecuária em áreas não protegidas pela legislação ambiental. Em outras palavras, a lei veda a redução de tributos para empresas que façam concessões a exigências que reduzam sua produtividade.
Segundo o senador Wellington Fagundes (PL-MT), que solicitou a audiência, a Ação Direta de Inconstitucionalidade que tramita no STF questiona a validade da lei sancionada pelo governo de Mato Grosso. A medida impacta diretamente empresas signatárias da moratória da soja, acordo voluntário firmado em 2006 entre tradings (empresas que compram de produtores e exportam) e organizações da sociedade civil. O compromisso veta a aquisição de soja produzida em áreas da Amazônia desmatadas após julho de 2008.
“A norma estabelece critérios para a concessão de incentivos fiscais e doação de terrenos públicos a empresas do setor agroindustrial, proibindo o benefício àquelas que aderirem a compromissos que limitam a expansão agropecuária em áreas não protegidas por legislação ambiental”, explicou Wellington.
De acordo com o senador, partidos políticos autores da ADI sustentam que a lei fere princípios constitucionais como a livre iniciativa e a proteção ao meio ambiente, ao penalizar empresas que adotam práticas sustentáveis. O STF aceitou o pedido de forma liminar em dezembro de 2024, com decisão do ministro Flávio Dino, que entendeu haver uso de critérios tributários como forma de sanção indireta, o que poderia configurar desvio de finalidade.
Na audiência, a deputada estadual Janaína Riva (MDB-MT) destacou que a norma estadual não trata da moratória diretamente, mas apenas da política de concessão de incentivos fiscais pelo Executivo estadual. “Ela [a lei] trata de concessão de benefícios fiscais. Ela não trata especificamente da moratória da soja. Agora, entendendo a Assembleia Legislativa que cabe aos deputados determinar quais são aqueles que devem ou não receber benefícios fiscais cumprindo os requisitos estipulados pelo governo do estado”, declarou a deputada.
O presidente da Comissão Nacional de Cereais, Fibras e Oleaginosas da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), André Dobashi, criticou o acordo da moratória, afirmando que ele foi firmado sem a participação dos produtores.
“Esse acordo, senhores, vale lembrar que não foi votado por essa Casa de Leis, não foi debatido no Congresso Nacional e tampouco nasceu do diálogo com os verdadeiros protagonistas que somos nós, os produtores rurais brasileiros ” afirmou Dobashi. “A moratória, como ela está hoje, ignora a legalidade vigente, penaliza nós, produtores que cumprimos integralmente o Código Florestal brasileiro […] e acaba criando uma legislação paralela acima da Constituição”, completou.
A audiência também contou com a presença do pesquisador Marcos Adami, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que apresentou dados técnicos sobre o monitoramento do desmatamento e a metodologia usada para verificar a conformidade com a moratória. “O Inpe não tem a prerrogativa para dizer se o desmatamento é legal ou não. Ele apenas faz o mapeamento do desmatamento. E todos os nossos dados são públicos”, explicou Adami.
A audiência foi marcada por momentos de debate direto entre os participantes, especialmente entre o senador Jayme Campos (União-MT) e o presidente-executivo da Abiove (Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais), André Meloni Nassar. O parlamentar questionou a ausência de sugestões objetivas por parte da indústria. “Qual a sugestão sua? Até agora não vi nada”, questionou.
Nassar respondeu que a Abiove defende mudanças na moratória da soja e a busca por uma saída conciliatória. “O mercado internacional não quer comprar soja plantada em área desmatada no bioma Amazônia. Não quer”. O senador replicou, criticando a posição da indústria e os efeitos práticos da moratória sobre os produtores.
“Quer dizer que não quer comprar a nossa? Não, quer comprar, só não quer comprar aquela soja plantada em área desmatada. Vamos resolver isso. Mas como que você vai plantar se você não tem área desmatada? […] Lá atrás, com o advento dos incentivos fiscais que saíram da Sudam, pelo fato de estarmos na Amazônia brasileira, tudo aquilo foi aplicado como Amazônia para que pudéssemos receber os incentivos”, afirmou Jayme Campos.
Nassar, ressaltou a necessidade de conciliação entre os diferentes setores envolvidos, argumentando que a polarização atual entre produtores, indústria e organizações civis precisa ser superada. “A discussão no STF é a oportunidade para se resolver. E a resolução não está em acabar a moratória e nem manter do jeito que está. Algo diferente tem que ser feito”, defendeu Nassar. “A Abiove já trouxe propostas no passado de como oportunizar melhorias. Infelizmente, as propostas não foram bem recebidas e a gente chegou na situação que a gente está”.
Na mesma linha, o diretor-executivo da Aprosoja Brasil, Fabrício Morais Rosa, afirmou que a moratória representa uma violação à soberania nacional e à liberdade econômica dos produtores. “A moratória, do ponto de vista dos produtores de soja e milho, é uma afronta à soberania brasileira e à livre iniciativa […]. O impacto financeiro calculado da receita que seria gerada com a produção de soja e milho […] é de R$ 20 bilhões”, afirmou, referindo-se ao potencial de produção que estaria sendo bloqueado.
Lucas Beber, presidente da Aprosoja-MT, reforçou as críticas à moratória e à interferência de normas privadas sobre a legislação ambiental brasileira. “A proposta que nós temos […] é a aplicação da nossa lei, da legalidade, da vigência da lei mais restritiva do mundo que é o nosso Código Florestal […]. Quem desmatou mesmo que legalmente após 2008 […] não tem como vender, porque as empresas signatárias da moratória correspondem a mais de 94% do mercado comprador de soja aqui do nosso país”, disse.
Parlamentares estaduais e federais do Mato Grosso também manifestaram apoio à lei estadual e à revisão dos critérios adotados pela moratória. O presidente da assembleia legislativa do estado, deputado Max Russi (PSB-MT), destacou o envolvimento do Legislativo estadual na elaboração da norma.
“A Assembleia Legislativa de Mato Grosso fez a sua parte, aprovou uma lei não com intuito de prejudicar ninguém, mas com intuito de mostrar a importância do nosso produtor, de fazer uma lei talvez da reciprocidade. Se você quer prejudicar o nosso produtor, nada mais justo que a gente não dê benefícios e outros privilégios que o estado de Mato Grosso, através da sua legislação tributária, fornece”, declarou Russi.
O senador Jayme Campos criticou a decisão liminar do STF, alegando que a matéria seria de competência do estado. “A decisão do Supremo Tribunal Federal, lamentavelmente, ela está de forma errônea. Primeiro que ela não podia interferir naquilo que é da competência do estado. Até pela Constituição Federal, no artigo 23 e 24, já tem lá regras claras de que o estado pode dispor corretamente com a Federação em determinar a situação dentro da questão ambiental”, afirmou o senador.
Ao encerrar a audiência, o senador Wellington Fagundes reafirmou a importância de garantir segurança jurídica aos produtores e defendeu a continuidade do debate no Congresso Nacional. Ele também agradeceu a participação dos convidados e informou que a comissão deverá consolidar as contribuições em um relatório.
“Foi um debate extremamente importante, que mostra a necessidade de buscarmos um caminho de equilíbrio entre produção e preservação, mas com respeito à legalidade e aos direitos do produtor rural brasileiro”, declarou.