É claro e lógico que o vereador, que menos de cinco dias após iniciado o ano legislativo foi flagrado em ato sexual na companhia de um menor de idade, travesti, no Zero KM, em Várzea Grande, terá assegurado seu direito de defesa, mas ele deverá ser muito mais efetivo na Justiça do que propriamente no julgamento político, onde os ânimos são muito mais pela cassação do edil do que pela sua permanência como membro de um Poder Legislativo Municipal, já combalido por intermináveis denuncias de improbidade administrativa.
Está em quatro mãos os trabalhos da Comissão de Ética, presidida pelo também novato Everton Pop (PP), que assegura estar pronto para a missão e pela conduta reta e ilibada do processo sem a interferência política ou popular dentro do caso e pelo vereador de segundo mandato, Domingos Sávio (PMDB) relator do processo. A preocupação de ambos é não deixar lacunas que possam levar as investigações e os resultados a serem contestados na Justiça e entregar nos próximos dias o resultado para o presidente, Deucimar Silva (PP), que então levará a matéria a apreciação dos demais vereadores.
A Gazeta – Presidente, o senhor está estreando na Câmara e já enfrenta situação difícil como processar um membro da Casa. Como será a manifestação da Comissão de Ética, que sequer tem um Código de Ética definido?
Everton Pop – Já iniciamos o trabalho, estamos ouvindo quem esteve envolvido em todo o processo e o parecer será baseando na seguinte questão: onde houve a quebra do decoro parlamentar. Em se ficando comprovado isto a decisão será pela perda do mandato eletivo do vereador Ralf Leite. É preciso ficar claro que vão existir duas investigações. A nossa que é política, ética, de conduta do vereador e a que será motivada pelos órgãos competentes como o Ministério Público e a Justiça Comum.
A Gazeta – Em quanto tempo o senhor acredita que será possível concluir o processo na Comissão de Ética.
Domingos Sávio – Esperamos que em 30 dias seja possível realizar os levantamentos e encerrar o relatório que será robusto e muito bem amarrado. Fomos conversar com o Ministério Público que dentro de suas prerrogativas irá nos ajudar a montar o relatório e encaminhá-lo a apreciação dos demais vereadores. Esse é um processo que nunca aconteceu aqui, então é preciso que tudo seja feito com cautela e sem deixar para trás fatos que possam macular o resultado final que terá que ser apreciado e votado por todos os vereadores com assento no Legislativo Municipal.
Gazeta – É possível dizer que o processo de ética não terá influência política além de não correr o risco de ser suspenso pela Justiça?
Pop – As coisas aqui serão tão transparentes que as sessões de esclarecimento dos envolvidos serão publicas, ou seja, os policiais militares, o delegado, o menor envolvido (que terá imagem preservada) e o próprio vereador estarão em sessões abertas ao público para colocarem seus posicionamentos a respeito dos fatos. A ordem é para ouvir os PMs, o delegado responsável, o menor e então o vereador. Não havendo impedimentos legais, todos serão inquiridos em sessão pública para que fique claro que a Comissão de Ética não tem o que esconder, nem tem o que temer. Faremos aquilo que for necessário dentro da lei e da ordem e respeitando os direitos de ampla defesa do vereador pelas condutas a ele imputadas.
Gazeta – A falta de um Código de Ética não seria um atropelo para os serviços da Comissão por falta de previsibilidade legal?
Sávio – Olha, primeiro é preciso ficar claro que não investigamos a conduta criminosa e sim o decoro parlamentar. Como não existe um Código de Ética, estamos nos baseando na Lei Orgânica de Cuiabá que prevê três punições em seu artigo 20 para a conduta do vereador. A primeira punição é a retratação pública do vereador para com a Cidade e com a sociedade além dos envolvidos; a segunda é a suspensão das atividades parlamentares por determinado período sem direito a remuneração, vantagens ou mesmo a prerrogativa da função e a terceira punição é a perda do mandato. Vamos ouvir e aconselhar o plenário para que ele soberanamente decida.
Gazeta – No que a Assembléia Legislativa pode ajudar a Comissão de Ética da Câmara de Cuiabá?
Pop – Nós estivemos com o presidente da Assembléia, deputado José Riva (PP) e conseguimos apoio jurídico de um consultor da Casa e acreditamos na possibilidade de analogia com o Código de Ética do Parlamento Estadual criarmos parâmetros e inserirmos nosso processo nele para definir a conduta e o que será feito. Agora que fique claro, será garantido a ampla defesa do vereador, tanto é que ele será o último a ser ouvido antes do relatório que primeiro será apreciado e aprovado na Comissão de Ética, depois será remetido a presidência da Câmara Municipal e, por fim, ao Plenário.
Gazeta – O quórum para apreciação do seu relatório é especifico?
Sávio – Dois terços são necessários para aprovação do relatório e suas recomendações, então estamos falando em 12 votos, maioria absoluta entre 18 possíveis votos, já que o 19º é o próprio acusado.
Gazeta – Mas a Comissão de Ética não apenas recomenda? Quem na realidade terá a decisão final?
Pop – A Comissão de Ética faz o seu parecer que será apresentado primeira aos membros da comissão que após aprovado será remetido ao Plenário. Os pares, ou seja, os 18 vereadores terão que julgar e acatar o parecer ou não da Comissão. Nossa missão é amarrar de tal maneira que não deixe dúvidas quanto as investigações e os fatos apontados como sendo por falta de decoro parlamentar. Ao meu ver, o simples fato dele acusar uma corporação policial, portanto acusar o Estado de extorsão já demonstra falta de decoro parlamentar a não ser que ele comprove o que está falando.
Gazeta – No seu relatório será recomendado a Polícia Militar ou ao governo do Estado providências em relação ao envolvimento de soldados?
Sávio – Olha a Câmara Municipal de Cuiabá não tem respaldo legal para exigir providências do poder público estadual, mas vamos recomendar, demonstrar que existem falhas no acompanhamento de menores que se prostituem. Independente de ter sido ou não um vereador o responsável, o Estado e os Municípios de Cuiabá e Várzea Grande (onde ocorreu o delito) têm que melhor olhar pelas crianças, jovens e pela falta de oportunidade que acaba levando-os a esse tipo de trabalho que é penoso e indigno de qualquer cidadão. É claro que existem fatos e ações piores, mas ninguém merece se prostituir para ganhar o dia de trabalho.
Gazeta – Hoje o senhor apostaria num resultado em Plenário para o futuro político do vereador Ralf Leite?
Pop – Primeiro de tudo eu não posso me antecipar, pois se prejulgar eu automaticamente torno o meu voto nulo, mas todo mundo que apostar a favor do vereador Everton Pop vai ter uma surpresa, mas muito mais os que são contra, que falam que eu sou mais um, podem ter a certeza de que saberão que minha vida é transparente. E vai um recado ainda para os demais pares na Câmara de Cuiabá, que são necessários 12 votos para aprovar as recomendações da Comissão de Ética e que a votação é aberta, ou seja, não tem voto secreto: todos terão que se expor e argumentar porque votaram desse ou daquele jeito.
Gazeta – E a situação do menor que é travesti?
Sávio – Eu entendo que quem menos culpa tem nesta história é o travesti que não procurou a ninguém, foi procurado. E respeito a diversidade sexual de cada pessoa. Agora como legislador não posso aceitar que as autoridades públicas permitam que seres humanos se prostituam para vencer na vida. Essa desigualdade é que nos causa revolta, por não permitir que todos tenham chances e oportunidade de vencer.
Gazeta – Qual será o ponto alto deste processo ético?
Pop – A imprensa e a população darão o tom nesta questão e nenhum dos vereadores, nem o próprio Ralf Leite me pediu nada. Todos estão comprometidos em fazer com que a questão seja o quanto antes solucionada, pois o desgaste é da instituição. Este é o processo ético, da falta de decoro parlamentar, pois as ações do representante público acabam por afetar um poder que está tentando se ver livre de fantasmas do passado que o atormentam a todo o momento. Quero conclamar a sociedade e a imprensa que acompanhem os depoimentos e principalmente o fechamento desta questão como forma de salvaguardar o trabalho de todos os vereadores.
Gazeta – O senhor acredita que com base nos fatos relatados pelo Boletim de Ocorrência e pelos depoimentos que serão colhidos em audiência pública, seja possível criar um juízo de valor em relação ao processo de ética?
Sávio – Com certeza que sim. Espero e tenho certeza de que tudo o que está acontecendo seja bom para que o Legislativo Municipal demonstre desprendimento e capacidade em solucionar suas próprias mazelas e possa corrigir e punir os seus membros, cortar na carne quando estiver errado, mas também saber se impor e exigir respeito quando acertar e fizer o que se espera que seja feito e esteja correto.