A assinatura do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em decreto baixado na sexta-feira, 13 de agosto de 2004, é uma das principais pistas do Ministério Público Federal na segunda fase da investigação comandada em segredo pelo procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza.
Depois de denunciar 40 envolvidos no escândalo do “mensalão”, a equipe do Ministério Público pode chegar ao chefe do Executivo.
O decreto 5.180 abriu caminho para que não apenas os bancos responsáveis pelo pagamento de benefícios da Previdência Social operassem o crédito consignado (com desconto em folha) a aposentados e pensionistas.
Apenas 13 dias após a assinatura do decreto, o BMG assinou convênio com o INSS e garantiu acesso ao mercado milionário em que atuou sozinho com a Caixa Econômica Federal por quase dois meses.
O BMG é um dos bancos que alimentou o esquema de repasse de dinheiro a aliados políticos do governo por meio de empréstimos supostamente simulados a empresas do Entre fevereiro de 2003 e abril de 2004, o banco repassou mais de R$ 26 milhões ao “valerioduto”, em valores da época. O Banco Rural entrou com o restante do dinheiro do caixa dois do PT reconhecido por Marcos Valério.
O procurador Antonio Fernando deixou o BMG de fora da primeira leva da denúncia do mensalão para se aprofundar nas conexões do banco com a “quadrilha” que, segundo a denúncia anunciada há pouco mais de duas semanas, era encabeçada pelo ex-ministro José Dirceu e tinha como objetivo “manter o PT no poder”.
O trabalho do Ministério Público teve como base investigações do TCU (Tribunal de Contas da União) ainda não concluídas, mas que apontam a participação do então presidente do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), Carlos Gomes Bezerra, no favorecimento ao BMG.
O favorecimento, segundo o TCU, explicaria por que os lucros do BMG subiram de R$ 90,2 milhões, em 2003, para R$ 275,3 milhões, no ano seguinte. Em 2004, os empréstimos a aposentados representavam 85% da carteira de crédito do banco.
O BMG foi o primeiro dos bancos que não pagavam benefícios do INSS a entrar no negócio, embora outras instituições do mesmo porte tivessem manifestado interesse. Uma primeira versão do convênio –assinada com rapidez considerada atípica– chegou a ser anulada, por conter irregularidades como a promessa de acesso à base de dados cadastrais dos aposentados.
Em janeiro de 2005, o banco teve autorizada a venda da carteira de empréstimos para a CEF, operação também investigada pelo TCU e que teria rendido lucro de R$ 119 milhões ao BMG. Presidente do PMDB no Mato Grosso, o atualmente empresário Carlos Bezerra nega que tenha favorecido o BMG. “O INSS era apenas o executor, a questão política era toda decidida no Palácio do Planalto”, afirmou o ex-presidente do instituto.
O então ministro da Previdência, senador Amir Lando (PMDB-RO), também nega que tenha agido em favor do banco.
A assinatura de Lando acompanha a do presidente Lula na carta encaminhada a 17 milhões de aposentados e pensionistas do INSS um mês depois de o BMG entrar no negócio e às vésperas das eleições municipais de 2004.
A correspondência que propagandeia o crédito consignado também é investigada pelo TCU. O senador nega relação da correspondência com a recente entrada do BMG no negócio e insiste que a carta era consequência da sanção da lei que criou o crédito consignado.
“Estão querendo ver chifre em cabeça de cavalo: a cartinha seguiu imediatamente após a sanção da lei”, disse.
Entre a sanção da lei (17 de dezembro de 2003) e a postagem da carta (29 de setembro de 2004), passaram-se, no entanto, mais de nove meses.
O atual presidente do PT, Ricardo Berzoini, era ministro da Previdência quando Lula baixou a medida provisória que criou o crédito consignado, em setembro de 2003. Ele também negou a intenção de favorecer o BMG:
“Não se cogitou da participação do banco; na época foi decidido apenas criar uma modalidade de crédito para reduzir os juros”.
Berzoini classificou de “ilação absolutamente improvável” a investigação de rastros de envolvimento do presidente Lula em supostos favores ao BMG em troca do dinheiro repassado ao esquema de Marcos Valério.
O INSS registrou, até o final de março, 8,2 milhões de operações do crédito consignado. Os empréstimos a aposentados e pensionistas alcançaram R$ 13,3 bilhões.
O Ministério da Previdência se recusou a fornecer informações sobre a atual participação do BMG no negócio.