A Câmara Municipal de Cuiabá terá um semestre duro pela frente. Os vereadores estão pressionados pela sociedade a cassar os colegas Ralf Leite (PRTB) e Lutero Ponce de Arruda (PMDB), um por falta de decoro parlamentar, e outro por acusações e indiciamento em um “rombo” na ordem de R$ 7,5 milhões. Todavia, sociedade e entidades que trabalham pela “assepsia” do Legislativo parecem que vão precisar de muita paciência. Não há um prazo para que as coisas aconteçam: confusa e falha, o Legislativo passa uma imagem de “casa de ninguém”, onde seus ocupantes não se entendem nem mesmo sobre o que estabelece o Regimento Interno – igualmente confuso..
O mais próximo de ser cassado, evidentemente, é o vereador Ralf Leite. Logo nos primeiros dias do mandato, ele foi flagrado com as calças arriadas na madrugada de 6 de fevereiro, em ato libidinoso com um travesti menor. Para complicar, ainda tentou corromper os policiais militares. Ralf estava embriagado e não portava documentos. Isto é uma: uma sucessão de atitudes própria de alguém inconseqüente e desequilibrado. Entre idas e vindas, Ralf conseguiu “salvar” o semestre, contando com a benevolência de um Judiciário precavido, que se aproveitou de uma Câmara que tem um regimento próprio para a bandidagem.
O vereador, no entanto, terminou o primeiro semestre da mesma forma que terminou: cometendo atos de extrema delinqüência. Numa dessas noites vazias, acabou agredindo a namorada, agora ex-namorada, a universitária Cristina Gentil, num acesso de ciúmes por causa de uma mensagem no celular da moça. Foi, novamente parar na delegacia e por lá amanhecer se explicando. Depois de se dizer “pegador de mulheres” ao tentar escapar do caso com o travesti menor, Leite ganhou a revolta feminina por causa da agressão, que deixou marcas no rosto da menina.
O inferno do vereador do PRTB parece àqueles episódios descritos em “Comédia da Vida Privada”. Não bastasse todos os atos de marginalidade juvenil, o vereador ainda corre o risco de ter sua “cabeça” decepada pela Justiça Eleitoral: Ralf chegou ao Legislativo sob olhares desconfiados de muita gente. Ele é acusado de abuso de poder e econômico ao comprar votos, inclusive de presos. À época, seu pai, o controvertido coronel Leite, já na reserva, atuava no Sistema Prisional.
No final do semestre, Ralf viu a casa praticamente cair. Primeiro, foi denunciado por abuso sexual contra menor, no caso do travesti. O processo, patrocinado pelo Ministério Público, corre em Várzea Grande. Em seguida, o Judiciário Estadual “lavou as mãos” e liberou a Câmara para julgar a cassação do vereador republicano-trabalhista. E, por fim, a ex-namorada confirmou em Juízo ter sido agredida. Ralf Leite responde com base na temida “Lei Maria da Penha”.
O que pode salvar o vereador, pelo menos por mais algum tempo, são dois fatores, que acabam se interligando – como tudo na política. Ralf tem a seu favor um regimento que ninguém sabe em que pode dar. Na sessão que será designada para dar prosseguimento ao processo aberto na questionada Comissão de Ética, há uma discussão sobre voto aberto ou fechado. Se for aberto, Ralf não tem saída. Ou melhor: terá aberta a porta da frente e o diploma que recebeu da Justiça Eleitoral não terá validade alguma – até o julgamento do processo por compra de votos. Se for fechada, pode ser que consiga “cabalar” alguns votos, mas ninguém crê que ele se safe.
Explica-se: nos últimos tempos, o vereador andou dizendo que pretende “revelar” os bastidores da eleição de Deucimar Silva (PP), presidente do Legislativo, da qual participou ajudando a elegê-lo. Silva, segundo assessores, “deu de ombros”: ele crê que Ralf não tem qualquer credibilidade para denunciar ninguém. A menos que traga provas documentais. Mas a bagunça regimental do Legislativo cuiabano, como de resto boa parte de suas atividades, pode, em verdade, protelar a decisão final.
Situação complicada também para Lutero Ponce de Arruda. O vereador foi indiciado pela Polícia Fazendária em crimes e mais crimes cometidos contra a administração pública. O sucessor de Chica Nunes, atual deputada estadual pelo PSDB, seguiu direitinho o “script” de incompetência administrativa – ou, como queiram alguns, de muita competência para gerir seus interesses privados com o dinheiro público. Para resumir a ópera, os desvios passam de R$ 7,5 milhões. Mas não será uma batalha fácil. Bem mais difícil. A grande maioria dos vereadores, em mandato, “devem favores” a Lutero, que não tem medido esforços para “cobrar a fatura”. No Legislativo, o novo “rombo” pode ser encoberto pela delinqüência do passado.
E para marcar bem a “volta” dos trabalhos na Câmara, o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE) está organizado um ato de protesto denominado “Diga não a Corrupção” para cobrar as cassações. Além do grito, os ativistas do movimento estão programando a “lavagem da Câmara”. O ato de protesto está programado para o dia 6 de agosto. “Toda a população, que deseja ver o fim da corrupção nas nossas instituições, está convidada a participar dos protestos” – exortou o coordenador geral do MCCE, Antônio Cavalcante Filho. “As pessoas de bem devem trazer seus amigos, seus familliares, e mostrar toda a indignação com esse estado de coisa que tomou conta da Câmara” – disse, ao pedir que as pessoas levem também rodos, vassouras, baldes e demais utensílios para fazer o ato de “lavagem” da Câmara.