Pródiga em promover sessões recheadas de humor, a Câmara Municipal de Cuiabá não fica atrás quando se trata de gastar o dinheiro público – de forma muito suspeita – em coisas que nada tem a ver com o processo legislativo. Como, por exemplo, “adquirir” – se é que o fez mesmo – R$ 74,4 mil em roupas. A despesa foi efetuada no meio da campanha eleitoral do ano passado, ainda na gestão de Chica Nunes (PSDB) como presidente do Legislativo Municipal. Chica foi eleita deputada estadual. Essa suposta despesa – assim como muitas outras – está sendo investigada pelo Ministério Público, subsidiado pelo Movimento de Combate a Corrupção Eleitoral (MCCE).
Com a despesa, a Câmara de Cuiabá “vestiu” até quem não precisava ou “recheou” o guarda-roupas de alguém com produtos de fino acabamento. Foram comprados nada mais nada menos que 15 echarpe, 65 gravatas borboletas, 65 saia e blusa manga curta em gabardine estilo terninho, sob medida, cor preta; 65 ternos masculinos em gabardine “de primeira qualidade”; 65 camisas masculinas manga longa em tricoline “de primeira qualidade”; 65 blazer feminino manga longa, estruturados com calça crepe de seda; e, mais 65 vestidos em crepe forrado.
A despesa foi paga mediante a apresentação da nota fiscal da MG Representações, instalada na Rua Valdecaes, no bairro Jardim Aeroporto, em Várzea Grande, no dia 20 de junho do ano passado. Operadores do MCCE dizem que o gasto indica “um absurdo” e – se realmente aconteceu – “mostra com clareza uma das facetas da administração pública, qual seja, a de usar mal o dinheiro dos impostos”. Há suspeitas, no entanto, que a nota seja fria ou clonada. A Câmara Municipal vive suspeita de ter feito vários pagamentos sob condições suspeitas. “Nesse caso, estamos investigando” – frisou um dos participantes do movimento.
O pior de tudo isso é que o próprio Legislativo não se mostra interessado em “sanear” sua imagem. Ao agirem dessa forma, os vereadores perdem por completo o direito de fiscalizar os atos do Poder Executivo – atividade inerente à Câmara Municipal. Recentemente, por maioria, foi sepultada a representação movida pelo Partido dos Trabalhadores pedindo o afastamento de Luthero Ponce (PP) do cargo de presidente por não tomar as atitudes de investigar as primeiras denúncias sobre desvio de conduta de sua antecessora. Na última sessão, os vereadores manobraram de todas as formas para evitar que um pedido de CPI fosse apenas e tão somente lido em plenário.
Há muito mais no Legislativo. Notas extraídas dos autos de investigação pelo MCCE indicam por exemplo que a Câmara de Cuiabá realizou aquisição de produtos odontológicos da ML da Costa Teixeira Comércio e Serviços-ME, no valor de R$ 52,5 mil. A despesa teria sido efetuada em março de 2006. A aquisição por si só já revela um disparate institucional: a Câmara não tem gabinete odontológico. Todavia, o que torna a situação extremamente suspeita e de eventuais justificativas insustentáveis está no fato de que no mesmo endereço, Avenida São Sebastião, 118-A, onde se adquiriu Ionometro, flúor, lidocaína, entre outros, se comprou também pasta AZ, lápis preto e caneta esferográfica ponta fina, etc.
A J. F. Indústria, Comércio e Serviços de Móveis Ltda, de Antônio Jéferson Chaves de Figueiredo, prestou serviços ao gabinete do vereador Helny de Paula (PR), que atualmente está licenciado, em 2005. Na ocasião, foram vendidos materiais de escritórios cujo valor total soma pouco mais de R$ 1, 8 mil. No entanto, a empresa nega vendas que ultrapassavam R$ 270 mil realizadas durante o processo eleitoral de 2006. Na lista de notas fiscais que teriam sido falsificadas aparecem inúmeros itens de materiais utilizados em consultórios odontológicos como 14 caixas de amálgama, 40 caixas de anestésico, 20 caixas de broca, 30 caixas de flúor gel, entre outros de maior valor. Na lista ainda aparecem 75 caixas de leite desnatado, cujo valor unitário seria R$ 22, 92 e 100 caixas de refrigerantes de dois litros que custaram à Câmara os abusivos R$ 29,15 cada um. Também foram consumidos, segundo as notas fiscais apresentadas, 186 caixas de torradas a R$ 60, 13 a unidade e 210 caixas de água mineral a R$ 13, 30 a garrafa.
As contas de Chica Nunes foram aprovadas “na marra” pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE). Votos em separado dos conselheiros Antônio Joaquim e Walter Albano indicam “ausência de exame sobre questões relevantes e fundamentais e falta de aprofundamento em outras, ocasionando dúvidas sobre a real gravidade das irregularidades apontadas no relatório técnico”. Por meio da análise dos balancetes mensais foi constatada a emissão de 13 cheques sem fundos entre janeiro e fevereiro de 2005 e indícios de devolução também no mês de dezembro. Foi destacado no voto vista também o pagamento de despesas não empenhadas, de aproximadamente R$ 653 mil e despesas bancárias de R$ 193 mil.