Principais ocorrências de crimes registrados no ambiente escolar em Mato Grosso cresceram 54% no primeiro semestre deste ano em comparação com o mesmo período do ano passado. Os dados da Secretaria de Estado de Segurança Pública (Sesp) mostram que foram 1.956 registros este ano contra 1.270 no ano passado. Quase 70% dos casos são relacionados aos crimes de furto, ameaça e lesão corporal, que juntos somam 1.329 registros este ano.
Na capital, 3 casos ganharam repercussão nos últimos 30 dias. Agressão e tortura de um aluno de 11 anos, surdo-mudo, por outros 4 colegas, o envenenamento com soda cáustica de uma estudante de 11 anos pela colega de 12 e a agressão a facadas de um aluno de 17 por outros 2 colegas diante da maior escola pública do Estado.
Na opinião da delegada Anaíde Barros, que desde março comanda a Delegacia Especializada do Adolescente de Cuiabá (DEA), apesar destes levantarem discussões, a violência no ambiente escolar tem feito parte da rotina da delegacia. Os relatos apontam que, independente da classe social, a ausência da família ou o excesso de zelo por parte dos pais estão por trás de grande parte dos atos infracionais praticados nas unidades educacionais.
Afirma que quando pais ou responsáveis são chamados à delegacia, após a denúncia ou mesmo flagrante, a maioria coloca o infrator como vítima da situação ou do sistema. Raramente têm a visão crítica de buscar no ato a oportunidade de saber os motivos que podem ter levado o filho ter tal atitude. Durante a entrevista com a equipe psicossocial da DEA, composta por psicóloga e assistente social, percebe-se em que caso a família do infrator se enquadra. Quando se choca com o ato praticado e questiona o motivo de uma atitude tão divergente aos valores que a família impõem na formação dos filhos ou, por outro lado, pais que não admitem de forma alguma o erro do filho.
A delegada alguns exemplos bem distintos, como os dos pais que ficaram chocados com o filho que compartilhou imagem de nudez de uma colega, classificando como ato inaceitável, e o de um casal de advogados de classe média que em curto espaço de tempo foi chamado 3 vezes à delegacia por atos infracionais do filho e ameaçou processar o Estado caso fosse mais uma vez acionado em decorrência das atitudes do menor.
Entre os maiores problemas, Anaíde aponta a inversão de valores, a prática de bullying em forma de “brincadeiras”, intolerância religiosa, de gênero, que geram lesões físicas e torturas emocionais, com a morte do amor próprio das vítimas. Afirma que as situações refletem a falta de amor e respeito ao próximo. A terceirização da educação dos filhos é apontada pela delegada como um dos principais fatores que refletem na violência dentro do ambiente escolar. O pouco contato entre pais e filhos, por motivos diversos, na opinião dela, faz com que na maioria dos casos não saibam o que os filhos fazem e em que companhia estão.
Quando surge o conflito ou ato infracional, não percebem que pode ser um sintoma de um problema mais grave, entre eles o uso de entorpecentes ou álcool, que cresce entre os estudantes.
A pedagoga Patrícia Carvalho atua há 15 anos como professora e atua hoje na direção da maior escola pública de Mato Grosso que reúne 1,2 mil alunos em dois turnos. Foi justamente na Escola Estadual Presidente Médici, em Cuiabá, que na manhã do dia 5 de julho, 2 estudantes atacaram outro a golpes de faca. Crime ocorreu no ponto de ônibus diante da escola. Após atacarem a vítima pelas costas, os 2 adolescentes de 16 anos se abrigaram na escola onde foram entregues à Polícia. Eles foram internados no Centro Socioeducativo da Capital, em decorrência da tentativa de homicídio.
O adolescente esfaqueado já teve alta médica, mas a família pediu a transferência da escola. Segundo os autores, eles praticaram o ato depois de serem ameaçados pela vítima, que também tem histórico de mau comportamento no ambiente escolar. Este foi o ato infracional mais grave que a diretora acompanhou na escola e já teve reflexo na comunidade escolar. Alunos se manifestaram nas redes sociais, criticando a ação dos colegas e reforçando a predisposição em se manter a paz dentro da escola.
Mas a diretora acredita que a rapidez na aplicação da punição aos infratores contribuiu para uma melhora na disciplina geral da comunidade escolar. Dois dias depois, foram iniciadas festividades na escola, entre elas a olimpíada e o aniversário da unidade. Durante os eventos foram adotadas medidas rígidas de segurança e a diretora ressalta que a disciplina dos alunos foi exemplar. Para a estudante R., de 17 anos, aluna do segundo ano do ensino médio em escola pública de Cuiabá, o fato é que a violência dentro das escolas vem crescendo a cada ano. Diz que não era assim e hoje o medo faz parte da rotina nas escolas e em seu entorno.
Os conflitos na comunidade escolar interferem negativamente no aprendizado, aponta o estudante C., 16. Problemas no relacionamento entre professores e alunos muitas vezes prejudicam a comunicação e geram desgaste, reclamam os alunos, que dizem que muitos professores acabam “despejando” sobre os alunos os problemas do dia a dia.
Na opinião do promotor da Infância e Adolescência da Capital, José Antônio Borges, a redução da violência no ambiente escolar passa necessariamente pela presença das forças de segurança pública nas escolas. Segundo ele, instituições policiais precisam monitorar e estar presentes nas escolas e em seu entorno, que são alvos de criminosos, principalmente traficantes que cooptam os jovens para atuação no mundo do crime.
Segundo o promotor, esta ação emergencial deve ser retomada para que estas unidades sejam mapeadas e criminosos afastados de seu entorno. Ressalta que são comuns relatos de diretores impotentes com a presença de traficantes dentro das escolas. Para Borges, só uma ação efetiva da Polícia pode reverter o atual quadro. Anjos da Escola Está previsto para ser implantado em agosto o Programa Anjos da Escola, pela Secretaria de Estado de Educação, Esporte e Lazer de Mato Grosso (Seduc).
O programa tem como objetivo o desenvolvimento da cultura de paz na comunidade escolar. Irá atuar na correção de fluxo, reduzindo a evasão escolar, o analfabetismo e também melhorando a proficiência. Visa o combate dos três “is”: indisciplina, infrequência e infração, primeiramente em 44 escolas na Grande Cuiabá. A família também será chamada à responsabilidade civil de promover a educação dos filhos e que deve exigir deles a obediência e respeito. O programa vai capacitar professores para mediarem os conflitos, dentro da comunidade escolar.