Três pessoas são vítimas de algum tipo de violência sexual por dia em Cuiabá e Várzea Grande. Registros da Polícia Judiciária Civil apontam que nos 6 primeiros meses de 2011 foram 525 casos de agressões desta natureza, 60 a mais que no mesmo período do ano passado.
Na Capital, este ano foram notificados 228 crimes contra mulheres e registradas outras 229 ocorrências tendo como vítimas adolescentes de até 17 anos. Em 2010, foram 184 e 191 situações, respectivamente. Em Várzea Grande, o número é bastante inferior se comparado com Cuiabá, além de apresentar uma queda em relação a 2010. Na cidade, este ano foram contabilizados 29 casos de violência sexual contra criança e adolescentes e 39 tendo como vítimas mulheres com mais de 18 anos. Ano passado, ocorreram 38 e 52 crimes.
Como violências desta natureza precisam de representação e denúncias para início de investigações, os números reais são, normalmente, superiores aos oficiais. A titular da Delegacia Especializada de Defesa da Mulher, da Criança e do Idoso de Várzea Grande, delegada Daniela Maidel, lembra ainda que apesar da ampla divulgação da importância da denúncia, existe muito receio das vítimas em se exporem. “É um assunto muito doloroso e muitas mulheres preferem se calar”.
A delegada explica que em Várzea Grande existe um número inferior de registros, em relação a Cuiabá, pela própria dimensão da cidade que tem uma quantidade menor de habitantes. Quanto à diminuição de casos, ela comenta que a quantidade inferior de comunicações não quer dizer que o crime não esteja ocorrendo, lembrando sobre as dificuldades das vítimas em falarem do assunto.
Pela experiência, Daniela relata que existe uma diferença comportamental dos agressores que acometem mulheres, crianças e adolescentes. Situação que se repete nos casos de denúncia. Geralmente, a violência sexual contra a mulher é cometida por pessoas desconhecidas, com uso de violência e armas. A exemplo do que ocorreu com a jovem A.I.C.S., 27, que teve a casa invadida por 2 homens armados que praticaram um assalto e a estupraram. O agressor ainda espancou a vítima.
Situação semelhante aconteceu com uma escrivã judiciária, 53, também assaltada e estuprada dentro de casa. A mulher foi rendida quando chegava na residência. O agressor chegou a sair da casa e voltou para cometer o estupro. Em casos de crianças e adolescentes, a maioria é violentada por pessoas do convívio social ou mesmo familiares. A delegada Daniela lembra ainda que muitos agressores fazem ameaças, até mesmo de morte, para amedrontar seus alvos.
Recentemente, o pai de uma menina de 8 anos flagrou o sobrinho de 15 anos abusando da criança. O homem descobriu a violência porque chegou mais cedo em casa e presenciou o adolescente nu, com a mão dentro da calcinha da menina. Ela contou que era a terceira vez que a situação ocorria. A menina disse que não revelou nada aos pais por medo de apanhar. A família acredita que ela vinha sendo ameaçada pelo abusador.
Crescimento – Em Cuiabá, nos 6 primeiros meses do ano houve um aumento de 82 registros, em relação a 2010. De janeiro a junho de 2011 foram contabilizados 457 casos, contra 375 no mesmo período do ano passado. Assim como a delega Daniela destaca que não há como falar que a violência diminuiu diante da queda dos dados, a titular da Delegacia Especializada de Defesa dos Direitos da Criança (Deddica), delegada Liliane Muratta, lembra que a violência sempre existiu e acredita que esse acréscimo seja relacionado ao número de denúncias. “Não podemos falar que hoje acontece mais. Vejo que atualmente as pessoas têm mais coragem de procurar a Polícia”.
A criação de uma delegacia especializada contribuiu, no entendimento de Liliane, para que as vítimas e famílias se encorajem em denunciar. Ainda assim, ela lembra que a violência sexual contra crianças e adolescentes é cometida, na maioria das vezes, no seio da família. Muitos casos não chegam ao conhecimento das autoridades por decisão dos próprios familiares, que preferem deixar de lado a agressão vivenciada pelos menores. A situação é ainda mais recorrente quando o pai é o agressor e a mãe tem uma dependência financeira e emocional do homem.
Nesses casos, quando a Polícia descobre, a mulher responde criminalmente junto com o marido. A delegada destaca que omissão também é crime. Liliane comenta que a maioria dos casos acontece em famílias desestruturadas, porém afirma há pessoas conhecidas e influentes da sociedade que são denunciadas por crimes sexuais. “É menos frequente, mas também acontece. Hoje, não existe ninguém acima de qualquer suspeita”.
Para a delegada, a incidência desses crimes nas classes mais baixas ocorre por existir uma prática, normalmente, de vários familiares morarem na mesma casa. “É muita gente na mesma casa. Temos casos em que o ex-marido vive com a mulher e o namorado dela, por exemplo”. Situação que termina expondo as crianças.
Estrutura – A coordenadora da Comissão Interestadual do Centro-Oeste (Circo), para enfrentamento da violência contra a criança e adolescente, Dilma Camargo, afirma que a falta de uma rede de proteção adequada a este público termina propiciando a ocorrência de novas vítimas. Ela destaca que um pontos afetados com a falta de estrutura são os Conselhos Tutelares, que têm a função de atender diretamente vítimas, com menos de 18 anos, e famílias, oferecendo apoio e proteção, bem como a garantia de direitos. “Esse sistema de defesa está fragilizado por falta de suporte da rede”.
O organismo citado por Dilma é composto pelo Judiciário, entidades de atendimento, delegacias especializadas, grupos de apoio, escolas e locais de amparo, além dos Conselhos Tutelares e de Direitos. “Se um desses elementos falha, todo trabalho é comprometido. A demora da Justiça é um ponto muito complicado, porque agressor fica solto e pode fazer mais vítimas. Além de deixar a criança ou o adolescente coagido”.
Para Dilma, uma criança ou adolescente violentado sexualmente dificilmente volta a ter uma vida normal. Para minimizar os traumas, ela destaca como indispensável o papel da família e um acompanhamento psicológico adequado. “Mesmo todo aparato e respaldo não é garantia de uma vida normal, imagina sem o atendimento”.
O grau de violência também influência na recuperação da vítima. “Por isso, o melhor caminho é a prevenção. As famílias devem ficar atentas aos seus filhos, cuidar deles para evitar situações de violência”.