Em todo o Estado, aproximadamente 45 mil alunos da rede estadual – 10% do total – têm apenas o nome da mãe na certidão de nascimento. Grande parte deles, 20 mil, estão na região metropolitana. Todos os meses, cerca de 200 crianças são registradas sem o nome do pai em Cuiabá e Várzea Grande. As notificações são encaminhadas para a Defensoria Pública pelos cartórios de registro civil. A instituição notifica as mães e tenta garantir o reconhecimento de paternidade dos filhos ainda na infância. Somente em Várzea Grande são feitas, em média, 90 notificações por mês.
Porém, segundo a defensora Cleide Regina Ribeiro Nascimento, que atua na Vara Especializada da Infância e Juventude, muitas mães, mesmo sendo convocadas, não concordam com o reconhecimento. O percentual das que comparecem na Defensoria não passa de 20%. “Algumas porque não querem, outras porque não sabem onde encontrar o pai e, até mesmo, quem é o pai”.
Cleide explica que ao receber a lista das crianças uma intimação é enviada para a mãe, solicitando as informações sobre o suposto pai, para que ele seja localizado. O trabalho visa garantir que todas as crianças tenham o nome do pai na certidão antes mesmo de irem para escola. “Nossa intenção e objetivo maior é que elas não cheguem na fase adulta sem saber quem é o pai. Mesmo sabendo, quando se passam muitos anos, a localização do indivíduo nem sempre é fácil”. Mesmo assim, o percentual de estudantes registrados apenas com o nome da mãe é grande.
Pequeno – Para reduzir estes números, desde 2007, a Comissão Especial Judiciária de Adoção (Ceja) realiza o projeto Pequeno Cidadão nas instituições de ensino do Estado. São feitos mutirões, reunindo pais e mães, para tentar acordos e viabilizar assim o registro gratuito e em curto espaço de tempo. Nesses 5 anos, mais de 10 mil audiências foram realizadas. O percentual de reconhecimentos é expressivo. Em 2011, 41% dos pais reconheceram os filhos espontaneamente. Outros 493 pediram exame de DNA para comprovar a paternidade.
O projeto é desenvolvido com apoio das instituições. Em 2010, o mutirão passou pela Escola Estadual Ana Maria Couto, no bairro CPA 2. A diretora Maria Cristina Domingues Barros conta que um levantamento foi feito para identificar todos os alunos sem o nome do pai no registro. Todas as mães foram notificadas e orientadas a participarem das audiências.
Porém, segundo ela, de cada 100, apenas 20 compareceram para tentar o reconhecimento. “O percentual é baixo assim porque muitas não querem que os pais tenham contato com os filhos, vivem em conflito. Outras não sabem onde está o pai e nem como encontrá-lo”. Ela conta que o perfil dos alunos que não têm a presença da figura dos pais, na maioria criados pelos avós, é diferente. “Eles são carentes e muitos revoltados. O aprendizado é bem maior quando a criança tem a figura do pai e da mãe em casa”.
A diretora citou o exemplo de um aluno de 6 anos, do 1o ano, que está com dificuldades de adaptação na turma. “Ele não tem o nome do pai no registro. É criado só pela mãe e vemos que a carência afetiva dele é grande. Tem dias que ele sente dores e só quer ficar no colo. A carência é sintomática”.
Facilidades – O projeto Pequeno Cidadão deu embasamento para outras ações em todo o país. A mais recente foi a decisão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em simplificar o processo de reconhecimento. O juiz auxiliar da Corregedoria, Lidio Modesto, destacou que uma das principais melhorias é a possibilidade, tanto do pai quanto do filho maior de 18 anos, em buscar o reconhecimento. “Antes da normativa somente a mãe podia declarar o nome do suposto pai e abrir uma ação de investigação. Hoje isso pode ser feito pelo filho quando ele atingir a maioridade sem ingressar na Justiça”.
Ele explica que basta um deles procurar qualquer cartório de registro civil e fazer o pedido. No caso do filho, é necessário informar o nome e endereço do suposto pai. Não há custos. O caminho é feito diretamente pelo cartório ao Judiciário, que encaminhada uma notificação ao indivíduo. Caso ele reconheça a paternidade espontaneamente, o registro é feito, imediatamente, no mesmo cartório.
Da mesma forma o pai, que ao procurar o cartório preenche um formulário com dados para localização do filho e da mãe, que serão ouvidos pelo juiz competente. Confirmado o vínculo, a Justiça determina que o nome do pai seja incluído na certidão de nascimento. Este mesmo processo pode ser feito pela mãe, quando a criança for menor.
Modesto disse que antes este procedimento podia ser feito apenas no cartório onde a criança tinha sido registrada. “Com isso, tanto a mãe quanto o pai tinham que se deslocar até a cidade onde a criança foi registrada, o que gerava custo e gasto, por isso muitos nem iam atrás. Hoje basta saber o nome e endereço do pai”.
Quando o pai não concordar com o reconhecimento ou não responder a notificação num prazo de 30 dias, o Judiciário informa o Ministério Público e é aberta uma ação de investigação de paternidade. “Antes destas mudanças, o reconhecimento após o nascimento da criança podia ser feito apenas por meio de ação judicial. Hoje não é necessário, se os dois concordarem, basta procurar o cartório”.
Direito – O projeto Pequeno Cidadão foi embasado no artigo 229 da Constituição Federal, que consagra o princípio da paternidade responsável ao afirmar que os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores. Além das audiências de conciliação, por meio dele, são realizados os exames de DNA de forma simples, extrajudicial e sem constrangimento às partes. Este ano, estão programadas duas etapas. A primeira delas em junho. O nome das escolas que serão visitadas ainda não foi confirmado pela Ceja.