A Gerência de Combate do Crime Organizado (GCCO) da Polícia Judiciária Civil concluiu as investigações que apuraram desvio de dinheiro da Associação de Amigos da Criança com Câncer de Mato Grosso (AACC-MT) e indiciou a ex-presidente da entidade, Telen Aparecida da Costa, seu esposo Willian César Batista de Jesus, e Luciano Gledson Monteiro Catelan, sócio-administrador de uma empresa “laranja”, usada para ‘lavar o dinheiro’ desviado da associação, de acordo com as investigações. Os três indiciados responderão por crimes de associação criminosa, apropriação indébita, falsificação de documentos público e particular, falsidade ideológica e peculato.
A investigação iniciada em outubro de 2015, apoiada em auditoria contábil, aponta desvio de R$ 1.658.045,30, em dinheiro provenientes de doações particulares de colaboradores e convênios públicos. O inquérito policial, conduzido pelo delegado Mário Dermeval Resende, será encaminhado à 7ª Vara Criminal –Especializada do Crime Organizado, nesta semana. Toda a investigação teve apoio da Diretoria de Inteligência da PJC.
Desvios
Os desvios de recursos da AACC ocorreram entre os anos de 2008 e 2015 e foram cometidos pela ex-presidente, em conjunto com o marido e o dono de uma empresa fraudulenta, que figuram nas investigações como os principais beneficiários das transferências de dinheiro da conta da entidade filantrópica, de acordo com a polícia.
De acordo com assessoria, o esquema contava com apoio do marido da ex-presidente, Wilian César Batista de Jesus, proprietário de uma empresa, que utilizava outra, em nome de Luciano Gledson, para o fornecimento de notas de prestação de serviços que não ocorreram. Em uma dessas notas o valor era de R$ 115 mil. “Constatou-se que os suspeitos, agindo de forma ardilosa e visando ludibriar a diretoria e conselheiros da AACC, apresentavam para tanto notas fiscais adulteradas, com valores a maior ou mesmo de serviços que sequer foram prestados”, destaco trecho do relatório final do inquérito.
Investigações e fraudes
De acordo com as investigações, nas prestações de contas a ex-presidente montava extratos bancários, considerados “adequados”, para que os desvios não fossem descobertos. Os extratos eram falsificados usando a função “copiar e colar” do site bancário para um editor de texto, onde eram efetuadas as alterações. Depois, o extrato bancário era apresentado aos conselheiros da AACC nas reuniões.
Em análise, a investigação observou que os extratos apresentados diferiam dos impressos junto ao banco referentes a períodos idênticos. “Ou seja, eram falsificados para que os depósitos, muitos destinados à conta corrente da própria Telen, passassem despercebidos”, disse o delegado Mario Resende.
Valores menos expressivos também foram “desviados” para as contas bancárias envolvidas no “esquema”, mediante a inclusão de notas frias e simulação de pagamentos de prestação de serviços fictícios e/ou superfaturados às empresas de familiares da presidente, principalmente a Broaden Brasil Teleinformática Ltda, sem autorização prévia da diretoria, dentre outras fraudes.
Uma das notas adulteradas de uma empresa, no valor de R$ 501.999,90, e a nota emitida em nome de outra empresa, de R$ 115.032,14, são referentes a serviços não prestados.
As notas foram repassadas a Willian, marido da Telen, que em tese teria prestado tal serviço, porém, não há compatibilidade do serviço prestado com o constante na nota, sendo o valor recebido muito maior do que o efetivamente realizado.
Em outro relatório técnico constam informações da instalação de computadores na AACC, por uma empresa, cujo valor original de R$ 2.667,76 foi adulterado superior a R$ 500 mil.
Durante tomada de preço para fornecimento e prestação de serviços à AACC, a empresa Simples Contábil apresentou orçamento no valor de R$ 115.032,14. Outras duas empresas cotadas teriam apresentado valores maiores ao da Simples Contábil, que acabou contratada para o serviço, porém estas empresas ao serem consultadas, informaram que não haviam produzido tais orçamentos.
Os donos das empresas usadas, quando ouvidos no GCCO, se mostraram surpresos e perplexos e afirmaram desconhecer os orçamentos. “Fica evidente que os dois orçamentos, muito acima do valor da Simples Contábil, tratavam-se de mais um subterfúgio para os envolvidos nos desvios ocultarem suas práticas obscuras, levando a erro os diretores da AACC, caso viessem a checar os documentos”, destacou o delegado Mário Resende.
Auditoria
Uma auditoria realizada nas contas da associação, por um escritório de contabilidade, constatou que somente no exercício do ano de 2015 houve desvio de R$ 400 mil da conta de AACC-MT, diretamente para conta pessoal da ex-presidente Telen Aparecida Costa. A transferência bancária ocorreu em duas vezes, uma no valor de R$ 200 mil, no mês de março, e outra de R$ 200 mil, em setembro do ano passado.
Foram analisadas 14 contas correntes utilizadas pela AACC, com minucioso cruzamento de informações. A auditoria constatou, no final, desvio de R$ 1.658.045,30 no período de cinco anos de gestão da ex-presidente Telen Aparecida da Costa.
O montante corresponde a valores desviados pelo grupo criminoso, liderado pela ex-presidente, que elaborava documentos falsos como extratos bancários, avisos de débitos, notas fiscais, holerites, passando para a contabilidade e prestação de contas os documentos todos adulterados.
Segundo a auditoria, os livros contábeis de 2014 a setembro de 2015 não foram localizados junto à AACC.
O delegado Mário Resende destacou que a associação é uma entidade séria e que sofreu duríssimo golpe ao descobrir o esquema. “A AACC atende as crianças carentes que sofrem de câncer no Estado e se não fosse a instituição, essas crianças não teriam como sobreviver, devido ao custo do tratamento. Hoje, depois de tudo que houve, se instituiu um controle rigoroso na fiscalização das doações recebidas pela associação. A diretoria atual, extremamente competente e correta, vem pelejando para afastar da Associação a má impressão que este episódio trouxe”, afirmou.
“Esperamos que a sociedade continue cooperando com a Associação de forma que as crianças tenham a segurança e o amparo que a instituição sempre lhe deram. Atualmente os males do passado não mais perduram”, completou.
Afastamento e prisão
Telen Aparecida Costa esteve à frente da instituição de 2009 até outubro de 2015, quando foi afastada em razão da diretoria desconfiar das fraudes. Ela, o marido, a mãe e o sócio administrador da empresa laranja, Luciano Catelan chegaram a ser presos temporariamente (5 dias) na operação denominada Cupititas (do latim cobiça), em dezembro de 2015, e depois de ouvidos foram liberados em razão de colaborarem com a investigação. A mãe de Telen não foi responsabilizada no final das investigações.