Seis cidades de Mato Grosso concentram pouco mais de 50% dos homicídios registrados durante todo o primeiro semestre no Estado. Dados da Secretaria de Estado de Segurança Pública (Sesp) apontam que 557 assassinatos ocorreram de janeiro a junho desse ano, correspondendo a pelo menos três vítimas de homicídio por dia no Estado. Neste semestre os municípios de Cuiabá, Várzea Grande, Rondonópolis, Cáceres, Sinop e Sorriso acumulam 291 dessas mortes.
Apenas a Grande Cuiabá registrou uma morte violenta por dia. Os dados da Sesp apontam ainda que o número de homicídios apresentou uma pequena redução se comparado aos registros do primeiro semestre de 2015. A diferença entre os dois períodos é de seis homicídios, o que equivale a uma redução de 1%.
Segundo o professor e coordenador do Núcleo Interinstitucional de Estudos da Violência e Cidadania (NIEVCI) da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Naldson Ramos, os números registrados no Estado são preocupantes pois demonstram que a violência continua crescendo nos grandes centros urbanos, uma vez que essas cidades juntas representam mais de 40% da população do Estado. Mas, segundo ele, o aumento não é surpresa. “Os registros nos mostram que a tendência é de que onde há uma concentração maior de pessoas, haja também mais violência, já que as desigualdades são maiores e mais visíveis”.
Naldson destaca que dentro dessa realidade, a expectativa de forma geral da sociedade é de que as forças de segurança também consigam trabalhar forma para tentar inibir esses crimes, porém, o que se percebe é que eles têm aumentado e que a resolutividade para a violência vai além da segurança pública. “Essa queda de 1%, que percebemos no semestre é mínima, já que o que se espera normalmente para o período é uma redução de 10%. Apesar de mínima, vidas foram poupadas e portanto é uma redução importante, mas o que percebemos é que é preciso o envolvimento de mais setores, a criação de mais políticas para uma desaceleração dessa violência”.
O especialista lembra que existem inúmeros fatores aliados aos tamanhos desses municípios que podem juntos desencadear o aumento desse tipo de violência, entre eles está a sensação de impunidade, o desemprego, drogas e álcool, entre outros, que não são de fato responsabilidades da segurança pública.
Quanto à motivação desses crimes, Naldson chama a atenção para estudos recentes onde foi possível perceber, por exemplo, que homicídios por questões banais tem crescido em torno de 45% a 60% no Estado. “Quando falamos em banalidade, estamos nos referindo aqueles assassinatos em que uma pessoa é morta por causa de uma discussão ou de uma briga”. Foi possível perceber também que esses crimes, muitas vezes, estão ligados ao uso de bebidas ou drogas. “Geralmente acontecem em bares, muitas vezes até em uma roda de conhecidos”.
Em segundo lugar aparecem os crimes de violência contra as mulheres, que no semestre desse ano representou quase 10% dos homicídios no Estado. Dados da Sesp apontam que 45 homicídios tiveram como vítimas mulheres. Naldson afirma que crimes envolvendo violência doméstica tem crescido assustadoramente no Estado. “Percebemos que a mulher tem sido vítima frequente dessas mortes violentas, que na maioria dos casos tem como protagonistas homens de seu convívio familiar ou social”.
A professora e pesquisadora do Instituto de Ciências Humanas da UFMT, Vera Bertolini, destaca que tem crescido o número de denúncias feitas por violência doméstica, porém, esse aumento ainda está distante da realidade vivenciada pelas vítimas. “Nós sabemos que muitas ainda não denunciam, algumas por medo, ou por dependência, mas é preciso ter em mente a necessidade e a importância dessas denúncias que podem evitar uma futura tragédia”. Bertolini destaca que é preciso a adoção de políticas sérias no combate à violência contra mulheres, assim como ao encorajamento de denúncias. “Só assim vamos conseguir mudar essa realidade de homicídios e violências contra a mulher”.
Em terceiro lugar, os estudos apontam que estão os homicídios envolvendo pistolagem e vingança. Segundo Naldson, pode ser exatamente nesse cenário onde houve a diminuição de 1% no Estado. “Esse 1% registrado pode estar ligado ao desmantelamento daquele grupo de extermínio na Grande Cuiabá que envolvia vários militares”.
Na quarta colocação aparecem as disputas territoriais com relação a drogas. “Esse tipo de crime é muito comum em cidades grandes”.
Naldson mais uma vez destaca que a mudança dessa realidade vai além do trabalho da polícia e é complexa por envolver vários setores. Segundo ele, o papel desempenhado pela segurança pública é importante, mas há também a necessidade da política de prevenção. “O que vemos hoje é um trabalho ostensivo que na maioria dos casos atua quando o crime já aconteceu. Precisamos trabalhar de forma a evitar este crime e isso envolve a união de vários setores sociais”.
Ele lembra que isso é possível por meio de programas sociais de qualificação profissional, educação, esportes, lazer e cultura. Além de tudo isto, Naldson ainda destaca as mudanças necessárias nas leis, para garantir um judiciário mais rápido e a punição dos culpados e extinguir da sociedade a atual sensação de impunidade. Há também a questão das reformas e construção de presídios, entre outros pontos como o combate e tratamento de vícios como drogas, e assim por diante. “Percebe como tudo isso é complexo? Não é simples, mas precisa acontecer, e acredito que grande parte da sociedade já entendeu e tem cobrado dos gestores”.
Por meio de nota a Sesp afirmou que em relação à proporção dos homicídios nas sete cidades citadas na matéria, “é importante considerar que os referidos municípios concentram 43% da população do Estado”.
A secretaria destacou ainda que esse ano “houve de fato uma elevação no primeiro trimestre (em especial, em janeiro e fevereiro)”, mas que essa situação foi enfrentada por meio da operação “Bairro Seguro”, lançada em abril e que conseguiu, por meio de ações integradas e atuação dos setores de Inteligência, reduzir os índices de homicídios. “Em abril, maio e junho, as quedas foram de 4%, 21% e 19% respectivamente, resultados que confirmam a curva descendente que deverá se consolidar até o final do ano”.