Um dos princípios do orçamento público é o da não afetação da receita, ou seja, o da não vinculação. Este introito previsto no artigo 167 da Constituição Federal, diz que é vedado que a receita de impostos seja vinculada a órgãos, fundos ou despesas.
No entanto, em decorrência da ineficiência de gestão, bem como para atender as demandas de direitos constitucionais este princípio foi modificado pela Emenda Constitucional nº 42. Basta ler as ressalvas do inciso IV, do artigo 167 da nossa Carta Magna.
Em países culturalmente mais desenvolvidos não há sequer a menção da expressão “vincular receita”.
Na Espanha, por exemplo, os entes locais (município e estado) possuem autonomia para definir sua própria forma de despesa e aplicação de seus recursos públicos.
No Japão e na Alemanha a preocupação com a vinculação das receitas obtidas sobre a tributação se dá em decorrência da emissão de gases poluentes e devastação ambiental, cujas receitas retornam em forma de compensação às vítimas da poluição e do efeito estufa. O ato de ter que vincular receitas é típico de países sem muita credibilidade político-institucional. Esse instituto (o de vincular) é o mesmo que engessar o já engessado orçamento público brasileiro.
A vinculação de receita já compromete antes mesmo de seu recebimento, os recursos financeiros que serão destinados aos gastos que sequer ainda existem. Ao vincular receitas, determinadas áreas da administração pública são beneficiadas em detrimento de outras.
Como exemplo de áreas beneficiadas – sem falar os inúmeros fundos específicos – temos educação e saúde em detrimento, por exemplo, de urbanismo e saneamento básico. Não que educação e saúde sejam menos importantes. O fato é que nem sempre os gastos/aplicações nas funções educação e saúde indicam que os 25% ou 15%, respectivamente, no caso dos municípios, aplicados surtam os efeitos desejados.
Pois há casos em que são aplicados menos de 25% na educação e os resultados obtidos são extraordinários, ao passo que há aplicações muito superiores a esses mesmos 25% vinculados e os resultados obtidos são pífios. Esse mesmo exemplo se aplica a saúde.
Se a vinculação de receita fosse a solução do problema o Brasil estaria “bonito na foto”. Pois, segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) o Brasil aplica 6% do PIB na educação, é um índice superior a muitos países desenvolvidos. Mas, apesar de todo esse investimento nosso País está na rabeira em avalições de desempenho escolar.
Quanto à saúde, segundo o Banco Mundial, em 2018 o Brasil aplicou 3,8% do PIB. E a saúde… dispensa comentários.
O curioso é que o relatório do Banco Mundial destaca que mesmo o Brasil tendo um sistema de saúde público universal, o gasto privado em saúde foi de 4,4% do PIB, ou seja, superior ao gasto aplicado pelo setor público.
É notório que as vinculações ocasionam o engessamento dessas prioridades, o gasto passa a ser automático ocasionando a baixa elasticidade da despesa vinculada quando da frustração de receita, também vinculada.
Entendo que a vinculação não implica obrigatoriamente em aumento de receita, pois independentemente de se considerar as vinculações como boas ou ruins, fato é que ao se privilegiar determinada ação do governo, todas as demais são prejudicadas.
É por esse motivo que a sociedade sente na pele os reflexos dessa vinculação, na maioria das vezes reflexos pouco agradáveis. Em razão dessa complexidade é que a sociedade adjetiva os gestores como incompetentes.
O clamor das ruas diz que: enquanto os professores recebem 14º, 15º salários, as escolas são reformadas duas ou três vezes ao ano, crianças e adultos morrem por falta de vacinas e ataduras.
Esse clamor vai ao encontro da visão de James Giacomoni, ao afirmar que recursos excessivamente vinculados são sinônimos de dificuldades, pois podem significar sobra em programas de menor importância e falta em outros de maior prioridade. Mas por que isso acontece? Por incompetência do gestor? Nem sempre.
Essas benesses e mortes acontecem, na maioria das vezes, em decorrência da vinculação obrigatória das receitas, pois o gestor fica obrigado a aplicar os recursos nas funções pré-estabelecidas, neste caso na educação e saúde.
A sociedade deve saber que essa amarra (vinculação) é tão retrógrada que caso o gestor não cumpra a vinculação e queira aplicar recursos destinados à educação na saúde, agindo assim esse gestor está sujeito a incorrer em crime de responsabilidade.
Em alguma parte desse artigo mencionei o termo gasto obrigatório. Pois bem, esse termo difere de vinculação de receita. Pois nos gastos obrigatórios, há efetiva obrigação de gastar, ao passo que nas vinculações não há, de imediato, essa obrigação.
Em outras palavras, pode-se vincular milhões de reais… esse valor fica de certa forma retido e se o gestor aplicar o mínimo exigido, 15% ou 25%, cumpre-se o mandamento constitucional, o restante do recurso vinculado fica na conta bancária do ente, e outras áreas/funções morrem à míngua sem que o gestor possa utilizar esse recurso.
Fico imaginando o que seria da União sem a famosa DRU, que é a Desvinculação de Receitas da União. Se bem que pelo nível de alguns de nossos gestores atrelados a comportamentos não republicanos, a vinculação de receita é um mal necessário.