Num dia elas lutam, no outro carregam seus filhos e suas casas. Clarice Lispector, escritora nascida na Ucrânia e naturalizada brasileira, talvez não imaginasse que, há 79 anos, poderia descrever um sentimento tão contemporâneo: “liberdade é pouco. O que eu desejo ainda não tem nome”. Hoje certamente se orgulharia de suas conterrâneas que, simbolizando tantas de nós, seguram armas em defesa de suas autonomias.
Quem sente a responsabilidade de ser mulher sabe que ela traz o peso da solidão e da congregação ao mesmo tempo, a paisagem da qual se espera o sol constante – e soluções todos os dias, dentro e fora de si, fora e dentro de todos os seus trabalhos. Referências limitantes de uma era onde fomos escondidas pela insegurança daqueles que temiam nossas possibilidades.
Ainda é penoso, mas a surpresa dos que não esperavam ser possível, tem todo seu valor. E quão pequeno é o sentimento de revanche diante da indescritível virtude e satisfação de ser semente para toda humanidade. É na sensibilidade da vida que reside a potência que move o mundo. E em nós mesmas.
A cada mudança de contexto nos vemos mais valentes, mais iguais. Igualdade essa, tão debatida, está longe de ser a identidade gêmea de gênero que tantos imaginam. É tão somente um espaço de opções onde todos se sentem contemplados, considerando suas próprias realidades e contribuições para a sociedade.
Clarice talvez não imaginasse ver chefes de Estado femininas conduzindo nações exemplarmente em meio ao caos, desbravando universos e novas físicas, demonstrando que a força necessária também é a da mente, que impulsiona o outro de forma firme e cortês, contudo não menos impactante.
O tempo avança, mas o valor da liberdade ainda é o mesmo, e agora vem acompanhando de pedidos semânticos de sororidade, junção, compressão, sinônimos de uma fase onde o real sentir de ser livre é ser coletivo, é ser e dar apoio, pois não há valor que se sustente individualmente.
Como já previa Clarice: “A missão não é leve: cada homem é responsável pelo mundo inteiro.” Numa licença mais que poética, troquemos o substantivo masculino pelo feminino, pois nós mulheres, verdade seja dita, carregamos essa premissa desde sempre, porém agora conscientes de que não precisamos mais fazer isso sozinhas.