Uma partida de xadrez entre a morte e um cavaleiro medieval. Esse é o pano de fundo em que se desenvolve o enredo de O Sétimo Selo, do diretor sueco Ingmar Bergman, rodado em 1956.
É instigante o contraste entre o pragmatismo irônico estampado na face da morte e o entusiasmo exibido pelo desafiante, que, inebriado pela esperança, pelas conquistas e paixões da juventude, acredita reunir chances de vencer o duelo, ignorando o inexorável xeque-mate do destino a que todo exemplar da espécie humana está sentenciado. O Ministério Público brasileiro parece viver agruras do cavaleiro de Bergman. Sobram motivos.
Talvez por não se constituir em um dos poderes do Estado brasileiro. Talvez por não ter sido contemplado expressamente como cláusula pétrea pelos constituintes de 1988. Talvez por ter de submeter-se ao arbítrio do chefe do Executivo na escolha do comando da instituição. Talvez por precisar lutar sistematicamente contra manobras legislativas destinadas, diretamente ou de forma oblíqua, a tolher os mecanismos criados para garantir sua atuação autônoma e independente.
Seja por qual motivo for, esse perfil singular do Ministério Público expressa uma sensação metafísica e ambígua, que funde a ausência de pertencimento às estruturas dos poderes ao dever de lutar contra seus alicerces corrompidos, aceitando como fruto de suas ações o imponderável. Uma vocação mutante e evolutiva, moldada pelos novos valores ditados pelos clamores da sociedade, da qual emana a responsabilidade que lhe pesa sobre os ombros.
São tempos em que a agenda nacional parece convergir para questões relacionadas à governabilidade e à retomada do crescimento econômico. Essa conjuntura, somada ao avanço da Lava Jato e operações correlatas, acrescida da ausência de alternativas visíveis no cenário político para as consequências do aprofundamento das investigações, colocam o Ministério Público mais uma vez na linha de tiro de seus antagonistas de turno. A cena parece, uma vez mais, propícia para a votação de projetos de lei contrários à missão do Ministério Público, caso do PL 280/2016 do Senado Federal, supostamente contra o abuso de autoridade, e do PLS 233, que, a pretexto de regulamentar o Inquérito Civil, termina por limitar a atuação do MP.
Tal como se assistiu em passado recente, por ocasião das discussões da frustrada PEC 37 — que pretendia inibir a investigação criminal por parte do MP –, a bola está novamente com a sociedade. A ela incumbe mover as peças no tabuleiro. A sinergia entre o Ministério Público e a população tem feito bem ao País. Esse casamento gerou o PL 4850/16, de iniciativa popular, mais conhecido como “10 medidas contra a corrupção”, em vias de apreciação pelo Congresso Nacional.
Nesse quadro, o momento vivido pelo MP remete ao apreço de Nietzsche “pelo que não deseja ter virtudes em demasia. Uma única virtude é mais virtude do que duas, pois ela é o nó mais forte em que se ata o destino”. A virtude do Ministério público é uma só: o compromisso com a sociedade.
Henrique Schneider Neto é promotor de Justiça, membro do Ministério Público do Estado de Mato Grosso (MPMT).