Senador por quatro mandatos, presidente da Arena, presidente do Senado e do Congresso Nacional, líder do Governo no Senado, o cuiabano Filinto
Müller tem sua memória novamente reverenciada pelo povo de Mato Grosso
nesses 105 anos do seu nascimento e 32 anos de morte, ocorrida no dia 11
de julho de 1973. Em mais uma homenagem, transcrevo aqui algumas
referências a este grande mato-grossense que muito contribuiu para o
desenvolvimento do nosso País.
Chá com um comunista – Depois de aprovado o projeto de criação da
Universidade de Brasília (UnB), na Câmara dos Deputados, o seu
idealizador, professor Darcy Ribeiro, começou a luta no Senado. O Senado
“não parecia disposto” a aprovar o projeto, segundo o próprio Darcy, que
na busca de uma solução foi aconselhado a procurar o líder do governo,
senador Filinto Müller.
“Horrorizei-me. Tratava-se de aproximar dois extremos simbólicos – o meu
de esquerdista e o de Filinto Müller, direitista. Procurei o senador
Filinto Müller e pedi o seu apoio. Ele convidou-me para um chá em sua
casa, onde comemos os excelentes bolos que sua senhora fazia. Mal ouviu
parte da exposição que eu queria fazer, justificando a organização da nova
universidade, ele disse-me: – Não se inquiete, professor. O problema agora
é meu. Breve eu lhe farei saber quando será a discussão final em
plenário”.
“Efetivamente, pouco tempo depois ele me chama, me faz sentar numa cadeira
lateral para ouvir os debates sobre o projeto”, lembra Darcy. Nos
discursos, Darcy foi citado como intelectual, professor competente, homem
coerente; “e sendo, para arrematar, um reconhecido comunista, fiel ao
marxismo, a universidade que propunha só podia ser uma universidade
comunista. Como tal, inaceitável para o Senado. Seguiu-se a votação e o
projeto da universidade foi aprovado por imensa maioria”. (Darcy Ribeiro,
abril de 1995). A UnB é hoje uma das maiores universidades do mundo.
Cravo vermelho e dignidade – Presidente da Arena, numa viagem a São Paulo,
na campanha das eleições de 1976, em discurso na Câmara Municipal, com um
cravo vermelho na mão Filinto pregou a união entre todos os arenistas e
pediu aos candidatos para não negarem as obras dos seus adversários. “A
Arena deve ser um exemplo mostrando ao eleitorado sua dignidade!”. (Jornal
do Brasil, 10/1976).
Sem sentimentalismos – Ata da Reunião de Generais, Ministério da Guerra,
27.9.1937. Os generais Góis Monteiro, Coelho Neto, Newton Cavalcanti e
Almério de Moura discutem a necessidade de desencadear um movimento
militar contra os comunistas. Pregam a “imediata volta ao estado de guerra
sem restrições, assim como a decretação da Lei Marcial em toda sua
plenitude”. O capitão Filinto Müller, Chefe de Polícia, participa da
reunião. Pede aparte: “É preciso evitar os processos. […] Sem execuções,
sem fuzilamentos, aproveitando os prisioneiros em trabalhos públicos,
abrindo canais, construindo estradas pode-se afastá-los do convívio da
sociedade, sem mantê-los encarcerados […] Aí está Fernando de Noronha
como primeiro ponto de reclusão”. “- Sem sentimentalismos!”, interrompe o
general Cavalcanti. (Hélio Silva, “Todos os golpes se parecem”, 1970).
Predicamentos do Judiciário, 40 anos atrás – Filinto Müller foi o primeiro
político da Arena, o partido do governo que defendia o sistema militar, a
falar em predicamentos do Judiciário, ainda do regime fechado. Essa
atitude ganhou até mesmo o elogio do velho e saudoso Sobral Pinto, que
dizia da coragem de Filinto Müller.
Apoio no Rio, com uma condição – Qualquer mato-grossense que chegasse ao
Rio de Janeiro, na Praça Corumbá, onde residia o senador Filinto Müller,
era recebido por ele com carinho e apoio. Quantos mato-grossenses se
formaram médicos, engenheiros, advogados e em outras profissões, com o
apoio de Filinto Müller! Os estudantes recebiam hospedagem e apoio
logístico, mas Filinto deixava uma condição: ele os ajudaria desde que,
após formados, retornassem a Mato Grosso e contribuíssem para o
desenvolvimento do Estado.
Nasce a UFMT – Preocupado com o crescimento intelectual, científico e
econômico do nosso Estado, o senador Filinto Müller também teve atuação
expressiva na fundação da Universidade Federal de Mato Grosso. Assim como
havia se empenhado para a criação da UnB, junto a Darcy Ribeiro, em Mato
Grosso trabalhou ao lado de Bezerra Neto e Garcia Neto, entre outros, para
que a UFMT se tornasse realidade.
O desenvolvimento do Centro-Oeste – Com o prestígio junto ao presidente
Médice, do qual era líder e presidente da Arena, Filinto Müller teve
participação significativa no processo de interiorização do país com a
viabilização de grandes obras de infra-estrutura, a exemplo da
pavimentação da BR-364, do Prodoeste, com a construção da BR-164 Campo
Grande/Cuiabá e Cuiabá/Brasília.
Paixão, mas sem violência! – Presidente nacional da Arena, chegou ao
Recife em outubro de 1972 para contatos com lideranças estaduais. Disse
que as divergências entre arenistas no interior do estado “são apenas
fruto da paixão política e comum em qualquer lugar do mundo pela conquista
da liderança. […] desde que não gerem a violência!”. (Jornal do Brasil,
10/1972).
Ideais democráticos – Em 1956, líder do PSD no Senado, Filinto Müller teve
ocasião de demonstrar sua fidelidade aos ideais democráticos ao recusar
apoio à apreensão dos jornais Tribuna da Imprensa e do O Estado de S.
Paulo, determinada pelo governo que seu partido apoiava. (Senador Saldanha
Derzi, 8/1973).
Nova visão do mundo – Filinto nunca se defendeu das terríveis acusações
que sobrecarregaram seus ombros, no período em que foi chefe de Polícia da
ditadura Vargas. Dizia para os mais íntimos que, no seu tenentismo, havia
naturalmente errado pelos excessos do seu idealismo, mas se sentia bem com
a sua consciência em face das muitas culpas que lhe atribuíram e da nova
visão que a vida lhe ensinara. (Fábio Mendes, Correio Braziliense, 1973).
O que faltou em Nuremberg – Do seu período à frente da Chefatura de
Polícia contam-se histórias terríveis. David Nasser, em seu livro “Falta
alguém em Nuremberg”, nomeia-o diretamente. Mas Filinto Müller declarou a
esse respeito: “O que faltou em Nuremberg foi o julgamento de todo o
Estado Novo. Era um processo político, uma engrenagem. Eu estava nela. E
não podia sair”. (Péricles Leal, Correio Braziliense, 1973).
Sete contra 59 – “Ao chegar ao Senado, em 1971, eu liderava uma bancada de
sete senadores do MDB contra os 59 da Arena. […] Pela letra regimental,
não tínhamos direito sequer a integrar comissão. Mas, através do convívio
e do diálogo com Filinto Müller […], conseguimos a segunda
vice-presidência e uma representação do MDB como presidente de uma das
comissões técnicas. Deixo aqui o meu testemunho […] do espírito de
colaboração e da presença conciliadora de Filinto Müller. Nessa época,
travou-se aqui uma luta intensa, porque para cada discurso do governo
havia um da oposição. (Senador Nelson Carneiro, 9/1993).
O pára-raios de Vargas – “Sobre seus ombros recaiu o peso da ditadura, da
repressão aos comunistas e integralistas, das torturas, das prisões
injustificadas e dos desaparecimentos de sempre. […] Importa registrar
que, num aspecto, ao menos, a razão pendia para Filinto Müller, ao reagir
às acusações: onde estavam a responsabilidade e a culpa das imensas levas
de políticos, militares, empresários, líderes sindicais, padres e até
jornalistas que também apoiaram o Estado Novo, identificaram-se com ele,
locupletaram-se com suas facilidades e, sem dúvidas, também participaram
de seus abomináveis excessos? Sumiram todos, a começar pelo próprio
ditador Getúlio Vargas […] O senador mato-grossense falava de uma trama
diabólica, de manobra muito bem engendrada pelos próprios partidários da
ditadura, que conseguiram safar-se de suas responsabilidades” (O Estado de
S. Paulo, 9/1985).
Ala Filinto Müller – Ocupei, com muita honra, a mesma cadeira que foi de
Filinto Müller no Senado Federal. E quando do exercício do cargo de
primeiro-secretário daquela Casa, de 1993 a 95, tive a iniciativa de
homenageá-lo com um busto numa ala de acesso à Biblioteca designando-a
“Ala Senador Filinto Müller”.
Filinto Müller costumava afirmar que não havia um município de Mato Grosso
onde ele não tivesse um compadre. Ele nos engrandeceu durante 40 anos de
comando político em Mato Grosso, uma liderança que alcançou repercussão
nacional. Homem democrático, amigo dos amigos, cuja memória permanece
respeitada no conceito do povo de Mato Grosso e do Brasil.
* Júlio Campos é conselheiro do Tribunal de Contas de Mato Grosso.
Governou o Estado (1983/87), e foi senador (1991/99), entre outros cargos
no Executivo e Legislativo.