No último final de semana, presenciei um acidente de trânsito e os lamentáveis desdobramentos para a vítima, que abalaram profundamente minha compreensão do que significa um estado moderno e desenvolvido. Assisti, impotente, a condutora de uma motocicleta ficar mais de duas horas estendida no asfalto à espera de socorro médico.
Estava com minha família num restaurante da Avenida São Sebastião quando houve a colisão entre um carro e uma moto. Lógico que a piloto do veículo sobre duas rodas levou a pior. Foi atirada ao chão e ali ficou por mais de duas horas sem qualquer tipo de assistência, a não ser a boa vontade de populares que ligavam insistentemente para o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU), sem qualquer resultado satisfatório.
Resolvi, então, na condição de senador da República, telefonar para o funcionário mais graduado de plantão para pedir celeridade no socorro. O médico regulador, responsável pelo serviço, de maneira muito gentil, mas austera, me respondeu que naquele exato momento havia oito ocorrências de acidentes de trânsito em vários pontos da cidade e apenas duas ambulâncias para realizar o resgate.
Isto mesmo! Dos oito acidentados, apenas dois seriam atendidos com urgência, os demais teriam que contar com a sorte. Poderiam morrer sem qualquer tipo de assistência. Tristemente, este é o retrato do atendimento público de saúde no país: antes de tudo é preciso ter sorte. Os próprios socorristas são as principais vítimas desta tragédia, pois mesmo correndo heroicamente e arriscando-se no trânsito, estão sempre chegando atrasados para atender os acidentados.
Estes profissionais são verdadeiros heróis anônimos de uma causa fatídica: lutar contra a falta de investimentos e a precariedade na estrutura física do atendimento de urgência. Alguns meses atrás, inclusive, uma reportagem de televisão mostrou médicos do SAMU empurrando ambulâncias com defeito, num bairro de Cuiabá.
Diante deste caos e do abandono em que vivem os mais pobres, além do risco de vida que corremos todos, faço uma pergunta inquietante, mas necessária: um país rico é aquele que constrói estádios suntuosos, ou aquele que consegue manter uma frota de ambulâncias funcionando?
Temos que ter em mente que enquanto um ser humano ficar relegado mais de duas horas no asfalto frio da noite à espera de socorro médico, não podemos nos considerar uma nação desenvolvida. Porque o maior monumento de um país não são viadutos, mas sim o bem-estar de sua população.
Quando digo que o acidente que assisti abalou profundamente minhas convicções sobre prosperidade, refiro-me, principalmente, à compreensão de que o ser humano deve ser o centro das atenções do estado moderno.
Por isso mesmo, pretendo apresentar um projeto de lei no Senado, logo no início do ano, propondo a criação de um fundo nacional, retirando um percentual do montante obtido das multas de trânsito, para a aquisição e manutenção de equipamentos do serviço móvel de urgência. Este mesmo fundo também ajudaria desenvolver a permanente qualificação dos socorristas, bem como a premiação destes servidores pelo sucesso obtido em suas missões.
Isto pode significar a diferença entre a vida e a morte de muitos acidentados, como a motociclista de 17 anos que sofreu o sinistro na Avenida São Sebastião. As duas horas em que ela se contorceu de dor no asfalto representam o atraso da mentalidade das autoridades em relação ao serviço de urgência: um atraso que causa sofrimento e morte.
Por isso, volto a insistir, só seremos um país de primeiro mundo quando nossa gente tiver um atendimento ágil e digno na saúde pública.
Jayme Campos é senador da República