Hoje em dia virou rotina ver revistas e sites com fotografias de pessoas que mudaram o rosto para ficarem parecidas com uma estrela de cinema, uma cantora pop, um brinquedo, uma rainha egípcia, entre outros. Embora solicitações desse tipo de transformação não apareçam todos os dias, os médicos dizem que elas estão surgindo regularmente.
Apesar de ser às vezes possível alcançar uma semelhança notável ou chocante, é impossível recriar a imagem de outra pessoa. É realmente impossível fazer com que alguém 'se passe' por outra pessoa. No máximo, podemos tentar imitar um traço, como um nariz bonito, mesmo assim isso já é algo muito estranho de se fazer, porque a estrutura óssea, as proporções faciais e certas características singulares compõem a aparência das pessoas.
Neste mesmo sentido, temos vários exemplos de pessoas que se desfiguram através de cirurgias plásticas, como a artista francesa Orlan, que tem usado o rosto como uma tela cirúrgica para questionar noções pré-estabelecidas de beleza. Ela é criadora do "manifesto da arte carnal", autorretrato clássico passeando entre desfiguração e figuração. O seu trabalho tão radical procura realizar questionamentos sobre o status do corpo na sociedade.
Recentemente vimos notícias de pessoas que querem ficar como os bonecos Ken e Barbie. Isso é quase uma deformação de personalidade. A pessoa que chega a esse ponto de querer ficar parecido com alguém faz barbaridades para satisfação dos seus desejos.
Acredito que, por vezes também, as pessoas querem prestar homenagem a uma parte específica do corpo de alguém. Os pacientes vão ao consultório armados com uma foto do traço físico do qual mais gostam em um artista famoso. Isso também é decorrente das constantes cirurgias que as celebridades costumam fazer e que são propagadas pelos meios de comunicação.
Como médico e cirurgião plástico sei que uma parte significativa do nosso trabalho consiste em distinguir os pacientes que têm uma preocupação médica ou estética legítima, arbitrária em si mesma, daqueles que sofrem algum tipo de transtorno, uma preocupação extrema com uma falha mínima ou até imaginária em sua aparência.
Muitos profissionais têm preocupações éticas quanto a esses tipos de consultas. Por exemplo, e se um paciente for considerado psicologicamente saudável e ainda assim quiser ficar parecido com o Michael Jackson? E se um médico atender o seu pedido? E se um paciente ganhar a vida como imitador de Michael Jackson e quiser fazer uma cirurgia para ter mais sucesso na carreira? No entanto, se o médico achar que a escolha do paciente é equivocada, ele não é moralmente obrigado a seguir os seus desejos. Ele pode dizer: 'Eu acho que essa é uma péssima ideia'.
Os motivos são os mais variados, todos tem como fundo problemas de origem psicológica ou psiquiátrica. Cabe ao cirurgião plástico detectar a causa, explicar com argumentos sólidos que a cirurgia plástica não é a solução e buscar um apoio psicológico ou psiquiátrico como ajuda no tratamento. A maioria dos médicos perguntam aos pacientes sobre o motivo pelo qual eles lhe procuraram. Essa é geralmente a primeira pergunta.
Uma das coisas que ajuda nessas decisões contrárias ao pedido do paciente é quando o médico conquista a confiança dele. No momento que isso ocorre há espaço para explicar com clareza e simplicidade as causas e os possíveis efeitos de uma cirurgia que não lhe dará o resultado que está pretendendo. Enquanto isso não acontecer, vamos ter que lidar com situações como essa, até o dia em que o ser humano descubra que a aparência física é apenas um reflexo do seu estado interior.
Joacir Rodrigues Carvalho é médico, especialista em Cirurgia Plástica e membro titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, e membro efetivo da Sociedade Americana de Cirurgia Plástica e Internacional de Cirurgia Estética.