Não tenho ainda uma opinião formada e pronta sobre o tema. A princípio, tendo a ser favorável à descriminalização – abaixo exponho minhas razões – embora reconheça que se trata de um tema muito polêmico e que enseja discussões de natureza religiosa, moral, sociológica, jurídica e de saúde pública. É preciso, contudo, enfrentá-lo.
Estamos todos, os brasileiros e o mundo, estupefatos com as últimas notícias sobre as carnificinas em unidades prisionais nos estados da região norte (Amazonas e Roraima), com possibilidade de alastrar-se pelo sistema prisional brasileiro de modo generalizado, em que se digladiam facções criminosas organizadas, administradas de dentro dos presídios e que comandam o crime organizado no que diz respeito ao cometimento dos crimes de tráfico de drogas, tráfico de armas e tantos outros, extramuros.
Tendo em vista que a grande maioria dos presos e presas do sistema estão encarcerados em razão do crime de tráfico de drogas, penso que é chegada a hora de a sociedade brasileira começar a debater outras soluções para a problemática das drogas, incluindo na discussão a questão da descriminalização da venda dessas substâncias, pois essas facções criminosas que na atualidade aterrorizam a sociedade nada mais são, afinal de contas, do que “empresas” informais, máfias alimentadas e mantidas pelo comércio clandestino de drogas, cuja demanda local e mundial para consumo não para de aumentar.
Trata-se, a meu ver, de uma guerra perdida, pois é lei inderrogável do mercado o axioma segundo o qual onde houver demanda haverá quem produza e comercialize o produto demandado, ou seja, vige, neste tema, a lei da oferta e procura. Se as pessoas querem consumir drogas, sempre haverá quem se disponha a comercializá-las. Por outro lado, de que adianta o Estado brasileiro criminalizar esse comércio se não tem condição alguma de reprimi-lo? É como se ouve nos corredores dos fóruns criminais: “estamos enxugando gelo”. O comércio de drogas já está liberado. Apenas não tem regulamentação estatal. Hoje em dia é mais fácil comprar maconha e cocaína do que uma cartela de cigarros. Basta acessar os grupos no whatsapp. Daqui a pouco vão criar até um aplicativo próprio, do tipo Ifood, para a aquisição de drogas, se é que já não existe e eu esteja desatualizado. Nossos filhos estão tão expostos às drogas como o estão às bebidas alcoólicas e cigarros (ditas drogas lícitas) e o fato de ser crime traficar drogas não muda em absolutamente nada isso, muito ao contrário, pois aquilo que é “proibido” seduz muito mais o público-alvo do tráfico, a saber pessoas jovens, com a personalidade em formação.
Vejam bem: ninguém conhece o presidente da Souza Cruz ou o presidente da AMBEV (holding que fabrica e comercializa a droga lícita mais apreciada pelo brasileiro: a cerveja), mas o traficante do bairro de periferia, que desfila de motocicleta importada, que anda armado de fuzil e está sempre acompanhado de mulheres bonitas é visto e admirado pela juventude. São esses sujeitos os heróis de nossa mocidade. Os jovens, tanto os da favela quanto os dos bairros das altas burguesias, empregam a linguagem deles e imitam as suas atitudes. Pare um minuto para ouvir dois adolescentes conversando. Você observará que os termos e gírias por eles usados são os mesmos empregados pelos presos do sistema prisional. Assim, parece que o único resultado eficaz da criminalização do tráfico de drogas é dar cartaz e fama para traficantes, vistos como os heróis da comunidade. Precisávamos de leis mais severas para puni-los, mas esqueçam…
Notem senhores e senhoras: mobilizamos recursos financeiros astronômicos com as forças públicas de segurança (imaginem qual o custo financeiro do trabalho da Polícia Militar, Polícia Civil, Ministério Público, Defensoria Pública e Judiciário só para lidar com traficantes), enchemos os presídios com rapagões fortes e jovens (e suas mulheres), gente plena de saúde e força física, que nos custam, cada um, muito mais de R$2.000,00 por mês, para que, de dentro destes mesmos presídios, eles continuem comandando o crime pelas redes e mídias sociais, a exemplo do facebook, whatsapp etc. Seria isso cômico se não fosse trágico para a sociedade. É mesmo um tapa em nossa cara.
Como romper com esse círculo vicioso, indagarão alguns? Não tem como romper. Simples assim. Isso aqui é uma bagunçacia, desculpe, democracia. Ao menos no que diz respeito ao tráfico de drogas, a cada dia mais e mais pessoas entram para o negócio das drogas. Pouco importa a elas o risco de serem presas e passarem alguns meses ou anos na cadeia. Primeiro que via de regra a prisão só vem depois da segunda vez em diante. Segundo que a sedução do ganho fácil supera em muito o risco de uns poucos anos encarcerado, inclusive porque na cadeia estão os parças do crime, tem drogas à vontade, baralho, televisão, comida de graça, internet, celular e por aí afora. É sério, o crime compensa demais neste país. Se não compensasse e cadeia fosse assim tão ruim como alguns apregoam, a reincidência seria muito menor e muito menos pessoas escolheriam este caminho e viveriam honestamente. Mas ser honesto implica em trabalhar e, quase sempre, ganhar pouco, coisa que traficante diz que é para otário. Traficantes, assim como furtadores, roubadores, estelionatários, sequestradores e outros não gostam de trabalhar, gostam de ganhar dinheiro fácil, ainda que isso implique em comercializar substâncias que destroem vidas alheias, como acontece no famigerado crime de tráfico de entorpecentes.
Nesse caótico quadro retratado, é fato que quanto mais traficantes a Polícia prende, mais traficantes surgem no lugar dos que são presos. Multiplicam-se aos milhares. Não tem verba orçamentária que dê conta de criar vagas no sistema prisional. Resultado: superpopulação carcerária, perda do controle dos presídios para os narcotraficantes, carnificinas etc. Solução a curto prazo: mutirões carcerários para botar nas ruas milhares de criminosos. É o que acontecerá nos próximos dias. O governo vai nos dizer que eles não deveriam estar presos, que são presos provisórios blá, blá, blá. Conversa! Salvo um ou outro caso concreto de injustiça, a verdade é que o Estado vai soltar a bandidagem porque sabe que se não fizer isso haverá muitos outros massacres e isso pegará muito mal para o Brasil perante a comunidade internacional e seus organismos ditos de Direitos Humanos.
Concluindo: já que perdemos a guerra, porque não colocar em pauta o debate acerca da descriminalização do comércio de drogas e saber o que a sociedade pensa sobre o assunto, ouvindo especialistas das mais diversas áreas em audiências públicas e no futuro, quem sabe, até mesmo submeter o tema a um plebiscito. Se ficar provado tecnicamente que haverá uma explosão no consumo de drogas, criando-se um grave problema de saúde pública, no que, pessoalmente, não acredito, que não se faça a experiência. Porém, de outro lado, se ficar demonstrado que os níveis de consumo manterse-ão estáveis, porque não tentar outras alternativas para lidar com a problemática das drogas, mobilizando os astronômicos recursos financeiros que hoje são utilizados na repressão ao tráfico para campanhas publicitárias de massa para a prevenção ao uso de drogas e também para o tratamento médico de viciados e dependentes químicos, assim como trazendo para a formalidade as empresas que venham a se dedicar ao negócio, aumentando a arrecadação do Estado com tributos e impostos a serem criados na regulamentação da atividade, de maneira que o traficante não seja mais o herói da juventude, mas sim um anônimo, como anônimo é o presidente da companhia Souza Cruz e anônimo é o presidente da AMBEV, empresas estas que, a despeito de fabricarem e comercializarem produtos extremamente nocivos à saúde humana, estão na formalidade.
Transformar traficante em empresário? Acho que nos vão custar menos!
Jorge Paulo Damante Pereira é promotor de Justiça em Rondonópolis