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Soberania do Júri e Prisão

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O Ensaio sobre a cegueira, romance de José Saramago, em sua última página, com aquela estranha pontuação, indaga e constata: “- Por que foi que cegamos, Não sei, talvez um dia se chegue a conhecer a razão, Queres que te diga o que penso, Diz, Penso que não cegamos, penso que estamos cegos, Cegos que veem, Cegos que, vendo, não veem”1.

É exatamente isso que se nota ao analisar o que fazem a doutrina e a jurisprudência pátria com o princípio da soberania dos veredictos (art. 5º, XXXVIII, c, da CF). Cegos que, vendo, não veem. Ao que tudo indica, por cegueira deliberada ante a clareza do texto constitucional.

Ninguém nega que o princípio da soberania popular é o pilar do regime democrático adotado pela República brasileira e que, por isso, o povo é a fonte primária do poder.

Por ser soberano, o povo é quem dita a distribuição do poder na estrutura do Estado. E esse poder é exercido direta ou indiretamente.

É verdade que grande parte do poder incide por meio da democracia representativa e pequena parte ocorre pela via da democracia participativa.

Das três funções exercidas pelo poder, a Executiva, a Legislativa e a Judiciária, apenas esta última não conta com a participação do povo na composição de seus agentes.

Logo se vê que o Tribunal do Júri é o que há de mais democrático no âmbito do Judiciário. Ao prever o julgamento popular dos crimes dolosos contra a vida, o legislador constituinte lançou uma lufada de democracia nos fóruns de todo o país.

E o povo, representado por sete cidadãos idôneos, é o responsável por declarar os veredictos no âmbito do Tribunal do Júri. E o faz com soberania, que nada mais é do que o poder supremo frente aos demais órgãos do Judiciário2.

A soberania dos veredictos é filha da soberania popular. Numa frase: segundo a Constituição, é o povo quem dá a última e definitiva palavra nos crimes dolosos contra a vida.

Nenhum juiz, desembargador ou ministro têm ascendência sobre os jurados. Isso significa dizer que somente o Tribunal do Júri pode rever seus veredictos.

A partir dessa perspectiva é possível afirmar, com segurança, que as condenações emanadas do Tribunal do Júri devem ser imediatamente executadas. Afinal, os veredictos não podem ser substituídos por decisões, sentenças ou acórdãos. Não importa a instância.

Cumpre registrar, nessa toada, que o Júri é um Tribunal e não um simples órgão de primeiro grau sujeito às reformas recursais por parte dos tribunais. Por óbvio, se houver sujeição a poder superior não haverá soberania.

Noutras palavras, é inadmissível que a soberba da toga substitua a soberania do povo. Basta um mínimo de honestidade intelectual para não negar que a soberania dos veredictos é impassível de relativização, como quer parte da doutrina e da jurisprudência.

Ora, é regra elementar de hermenêutica que texto fora do contexto é mero pretexto para que o intérprete imponha sua vontade, inclusive para afirmar que o redondo é quadrado. E isso é inadmissível, ainda mais no que se refere ao texto constitucional, cujo princípio da soberania dos veredictos cobra sua máxima efetividade.

Fica evidente, assim, que as condenações emanadas do Tribunal do Júri reclamam o cumprimento imediato da pena imposta. Por consequência, ainda que o acusado esteja respondendo à ação penal solto, se condenado à pena privativa de liberdade em regime incompatível com o direito de ir e vir, deve ser ele imediatamente recolhido ao cárcere.

Outro não é o entendimento do Ministro Luís Roberto Barroso registrado nos julgamentos das Ações Diretas de Constitucionalidade 43 e 44 (05/10/2016) e no Habeas Corpus 118.770/SP (07/03/2017): “A condenação pelo Tribunal do Júri em razão de crime doloso contra a vida deve ser executada imediatamente, como decorrência natural da competência soberana do júri conferida pelo art. 5º, XXXVIII, d, da CF”.

Cumpre realçar, com tintas fortes, que não há qualquer violação ao princípio da presunção de inocência, já que essa interpretação resguarda a proteção eficiente da vida, da democracia e da segurança de todos3.

Os jurados podem errar, já que soberania não é sinônimo de infalibilidade. Mas, como adverte Antonio Miguel Feu Rosa4, “em caso de erro, o povo, como os indivíduos, suporta muito melhor o que vem daqueles que estão investidos em seu nome, de seus interesses, do que daqueles que lhe são estranhos”. E qualquer erro poderá ser sanado pelo próprio Tribunal do Júri em novo julgamento.

A justiça é direito da sociedade. Mais ainda nos crimes de sangue. E, no Tribunal do Júri, é exatamente o dono do poder, no exercício ostensivo da democracia e de forma soberana, quem a produz, o que torna absurdo o absolvido ficar preso ou o condenado sair livre e solto.

Por tudo isso, admira mesmo que esta verdade ainda hoje precise, a golpes de martelo, abrir caminho tanto na doutrina como na jurisprudência para que possam ver e enxergar o óbvio. Uma pena!

César Danilo Ribeiro de Novais, Promotor de Justiça do Tribunal do Júri em Rondonópolis

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