O uso da tecnologia pela terceira idade não é mais novidade. E o uso das redes sociais e canais digitais por gente que um dia foi somente analógico é uma realidade frenética que conquista pelo amor. Afinal, muitos têm lembranças carinhosas de seus avós, e eu sou uma delas.
E….se meus avós estivessem vivos, certamente seriam youtubers. Isso mesmo youtubersssss….. Aquela fatia pomposa do canal digital repleto de crianças e adolescentes seria povoada por gente como meus avós, e garanto que seriam fenômenos digitais.
Não porque eram meus avós. E sim porque tinham características que hoje são essenciais para se estar conectado de verdade, falando com gente e trocando experiências.
Empreendedores natos e até futuristas, eram pessoas que viveram à frente de seu tempo, realizando funções cotidianas, mas de forma inovadora. Meus avós não eram pessoas famosas, bilionários nem excêntricos. Mas conseguiam ultrapassar seus desafios diários, utilizando o que temos de mais precioso: o bom senso.
Não me lembro de uma única vez que, quando o assunto em pauta na minha família são eles, não me venha essa ideia louca de que poderiam ser fenômenos de audiência na internet de hoje.
Falamos tanto de comportamento digital para estar conectados, mas ao pensar nos meus avós analógicos impera o sentimento de que poderiam contribuir de sobremaneira para a transformação de gente pela curadoria das milhões de informações que recebemos hoje.
Os caras faziam sempre mais perguntas do que tinham respostas para os desafios diários. Sempre!!! Os porquês, como e quando eram corriqueiros para solucionar problemas ou tomar decisões difíceis, produto em escassez em tempos de geração y.
Antes que você me diga que o artigo é blábláblá saudosista de neta que ama seus avós, vamos a algumas percepções do porquê acredito que poderiam ser youtubers. Antigamente a maioria dos trabalhadores recebia ensino médio adequado, e mesmo que não fosse para a faculdade, contas precisas de matemática e raciocínio lógico eram comuns a esta geração.
Em tempos onde os jornais e livros eram apenas impressos, encaravam a literatura como uma ferramenta para se informar, distrair e aguçar a criatividade.
Não se programavam para aos 30 anos ter passado por 3 faculdades, ser trilíngue e ocupar a cadeira de presidente de alguma startup. Eles desejam viver, ter suas carreiras e ainda desfrutar de hábitos simples.
Ok….Belicosa, mas o que meus avós teriam para engajar? Afinal, hoje temos milhões de youtubers da 3ª idade bombando na internet. Minha avó materna seria um canal desses, onde as pessoas encontram utilidade para objetos que não utilizamos mais, organizariam tudo, e ainda ensinaria pintura em tecido.
Meu avô paterno seria uma figura mais filosófica, tipo Pondé, onde suas palavras são valiosas, e colocam a nossa cachola para funcionar. Seu local de trabalho não seria dos mais organizados, mas, com certeza, atado à luminária de seu escritório estaria um ninho de passarinho, que botava seus ovos confiando a segurança aos olhos de um velho que protegia gerações de passarinhos para acalmar o dia em tempos difíceis.
Já meu avô materno era um futurista. Acredite, aos 70 anos foi capaz de largar um negócio bem-sucedido no ramo de supermercados em São Paulo para se aventurar no interior do Mato Grosso, em busca de novos desafios profissionais em mercados que não conhecia. Era inspirador, e não ficava utilizando palavras motivacionais para dizer a que tinha vindo. Ele pegava você pela mão e ensinava, na prática, como fazer as coisas acontecerem.
Pode parecer distante a ideia de ser um empreendedor nato, porque hoje, o que mais vemos na internet, é o empreendedorismo de palco sem propósito, repleto de mimimi e de gente sem maturidade para encarar o árduo processo de empreender. O que ele nos ensinaria num canal de youtube estaria altamente ligado com pensar para o futuro e fazer no presente.
Mas a vedete dos youtubers, sem dúvida, seria a minha avó paterna, que mesmo cozinhado divinamente, jamais lhe ensinaria suas receitas secretas via web. O negócios dela era o humor. Canal com piadas de fazer a barriga doer de tanto rir, com direito a tiradas estratégicas sobre política que fariam qualquer um se encantar pelo meio metro de pessoa que era.
E, colocando esses fenômenos todos juntos, teríamos lavoro, trabalho, ralação. Já que nenhum deles estaria dedicando o seu tempo à toa. Eles, com certeza, estariam ali, cheios de valores, com o propósito de serem reais e de dar sentido à vida de tantas outras gerações de apaixonados pelo legado de seus avós.
A provocação é para começarmos a pensar sobre nossa terceira idade digital, e como desejamos ser lembrados, em tempos onde a tecnologia é apenas ferramenta para expor o que temos de melhor e de pior como seres humanos.
Maria Augusta Ribeiro – profissional da informação, especialista em Netnografia