Hoje mesmo, conversando com minha esposa, ela me contava que quando fazia a 4ª série, lá no nosso rincão maranhense, num lugarejo chamada Lagoa da Jaó, minha sogra era a Diretora da Escola em que ela estudava. A Escola era uma casinha com paredes de barro cru, coberta de palha, onde Dona Rita Torres era também a Professora da Carta de ABC, da Cartilha e da 1ª a 4ª Série, além de ser a merendeira, a zeladora, o agente de pátio e a conselheira.
O salário, pasmem, não dava sequer para pagar as passagens para buscar o dinheiro na sede do então Município de João Lisboa. Porém, acabava compensando todo mês enfrentar 50 quilômetros de estradas de chão, dentro de ônibus artesanal feito na carroceria de um onze-onze (pau de arara) ou em cima de toras de um caminhão madeireiro. Era naquela oportunidade que a comadre Rita se via livre de tantos afilhados, nem que fosse só por um ou dois dias todo mês; sem falar que ela iria ver muita coisa diferente: quebra-queixo, chá de burro, roupas e brinquedos nas banquinhas de beira de estrada que ela, por razões óbvias, nem compraria.
E foi assim, entre uma gargalhada estridente e outra, entre um choro e outro, rindo-se da sorte e das privações que lhe eram reservadas até ali, que minha sogra, aos trancos e barrancos, exerceu o magistério.
Essa conversa foi travada por ocasião do relato que fazia a minha esposa, que é pedagoga, sobre a recentíssima Ação Civil Pública ajuizada pela Promotoria de Justiça da Infância e da Juventude de Rondonópolis, visando apurar eventual situação de risco de crianças e adolescentes, matriculados ou pretendentes a matrículas na Escola Estadual Elizabeth Freitas Magalhães e na Escola Estadual Professor Carlos Pereira Barbosa, ambas neste Município.
É que se havia tornado pública e notória a preocupação da comunidade, principalmente, das famílias da região do Jardim Atlântico, quanto à crescente demanda por vagas escolares para alunos dos novos bairros naquelas redondezas criados, o que demandaria a construção de pelo menos cinco novas salas de aula em cada uma daquelas unidades de ensino.
A Seduc iniciou, então, duas obras de ampliação nas unidades escolares e prometeu locar espaços ou estrutura alternativos (salas móveis). Entretanto, as obras não começaram antes do período letivo, tampouco serão finalizadas no prazo prometido às duas escolas, já que estão com andamento atrasado e, pior, as salas alternativas não foram criadas.
Enquanto isso, os alunos e os professores estão em várias salas adaptadas, em prejuízo do seu conforto, dignidade, aprendizado etc., posto que foram adaptadas salas onde deveriam ser a biblioteca, sala de recursos multifuncionais, sala de informática ou sala de professores. Muito pior é a situação dos alunos que estão tendo aulas numa sala de aula fechada com uma grade, como se uma cela fosse, com estrutura tão indigna quanto aquela existente no Centro Socioeducativo de Rondonópolis onde ficam os adolescentes em conflito com a lei.
Evidentemente, as escolas estaduais já mencionadas não são um “casebre na Lagoa da Jaó”, mas talvez os alunos de minha sogra, guardadas as proporções, recebessem bem mais carinho e atenção. Não, não! Não pretendo que ela venha elaborar e executar políticas educacionais no Mato Grosso.
Tampouco eu tenho competência para isso, mas qualquer pessoa, mesmo de inteligência tacanha, percebe na primeira olhadela que o trabalho educacional que deveria ser efetivado nas unidades encontra-se agudamente comprometido, haja vista ser impossível realizar qualquer esforço de educação de qualidade em um ambiente manifestamente insalubre e com instalações precárias.
Ainda não estou encerrando e, por dever de lealdade, não posso deixar de lembrar à sociedade que o primeiro responsável pela garantia da educação de nossas crianças e adolescentes não é o Promotor de Justiça, o Professor, o Juiz ou o Governador. Não existe educação de qualidade em escolas públicas ou particulares, por melhores que sejam suas instalações, se todos os ensinamentos ali ministrados forem objeto de desídia por parte dos pais que, pela lei, pela moral ou pela religião, deveriam ser os primeiros Promotores de Justiça, Juízes, Governadores e Professores de seus lares.
Os pais que têm possibilidades de levar ou buscar os filhos na escola e isso não fazem, deixam escorrer por entre os dedos excelente oportunidade de proteger seus filhos, com a simples presença ostensiva, de alunos violentos ou de facínoras que rondam costumeiramente as unidades de ensino, tais como traficantes, roubadores e pedófilos. Aqueloutros que deixam de exaltar a imagem dos professores, de destacar o dever de obediência a eles ou sobrelevar a importância e a respeitabilidade desse cargo, salvo juízo torpe, prestam um grande desserviço à sociedade. Geralmente, os pais que agem com menoscabo em relação aos professores somente vão à escola para perguntar por que seus filhos estão com os cotovelos ralados ou para saber a razão de terem sido advertidos.
Vejam, abaixo, sete sugestões de como ajudar o Ministério Público nessa difícil empreitada:
1. Participando dos eventos e reuniões, tendo-os como prioridade em sua rotina, para conhecer o ambiente escolar e compartilhar as estratégias da escola na educação dos seus alunos;
2. Levando e buscando seus filhos na escola, na hora certa, evitando que eles se envolvam em brigas ou sejam expostos a pessoas perigosas (roubadores, pedófilos e traficantes) que rondam as unidades de ensino;
3. Prestigiando a prática de esportes e outras atividades oferecidas pela escola a seus filhos. Ou será que ninguém lembra o quanto nos esforçamos para fazer o melhor quando estamos sendo observados por quem amamos?
4. Fiscalizando todos os dias, conferindo e ajudando seus filhos no cumprimento de tarefas de casa. Não se envergonhem por não saberem o assunto e não respondam tudo no lugar do filho;
5. Ensinando o filho a zelar pelo material didático e pelo uniforme escolar. Não custa nada fazê-lo tomar banho e trocar a roupa, assim que chegar da escola, guardar adequadamente os cadernos e livros didáticos etc.;
6. Exaltando a imagem positiva dos professores, destacando o dever de obediência a eles e sobrelevando a importância e a respeitabilidade desse cargo;
7. Mobilizando-se para cobrar e provocar as autoridades competentes pela manutenção e melhoria dos indicadores de qualidade do ensino. Como todos sabem, pessoas sem capacidade de mobilização não passam de massa de manobra ou inocentes úteis a toda sorte de desmandos;
Aliás, alguém aí ainda não sabe que descumprir, mesmo por preguiça, os deveres acima indicados é infração punida com multa de três a vinte salários, aplicando-se o dobro em caso de reincidência?
Isso tudo, sem interessar se se trata de pais de escolas públicas ou particulares, pois o que interessa é a postura dos pais em relação à educação dos filhos e não o tamanho da conta bancária de um e de outro. Gostava mais se eu pudesse contar com os pais na missão de patrocinar cidadania de forma responsável e consciente, sem prenúncios de mau tempo.
Portanto, conclamo os pais e mães cujos filhos estão sendo defendidos pelo Ministério Público a não perderem a oportunidade que se lhes é apresentada para se apaixonarem pelas Escolas Estaduais Elizabeth Freitas Magalhães e Professor Carlos Pereira Barbosa, comprando essa briga e fazendo sua parte.
Ari Madeira Costa – Promotor de Justiça em Rondonópolis