Por todo o norte de Mato Grosso estão sendo esparramados o desânimo, a perplexidade, o sentimento de impotência e a incerteza do amanhã.
Cresce em meio ao povo desta região a dúvida sobre a seriedade dos governantes, diminui aos olhos dos homens e mulheres a crença de que os que nos lideram se preocupem com a população mais distante – aquela longe dos holofotes, com ínfimo poder de pressão, e tudo se torna imóvel, num estado de lassidão, como se todos estivessem aguardando um lampejo de luz, que ultrapasse o limiar da indiferença, e os nossos administradores públicos possam se conscientizar de que o ser humano deva ser inserido com destaque em todos as fases de qualquer planejamento.
Nos países mais adiantados, uma obra é feita e paga em poucos dias, depois de ter levado anos para ser planejada; no Brasil, compra-se para depois planejar e pagar, quando se paga. Com o mesmo raciocínio, os planejamentos feitos em nosso País mudam conforme o humor dos nossos governantes: hoje, é melhor o amarelo, amanhã, o verde, porém, o mesmo povo que usou a primeira cor, é que deverá usar a segunda, porque ao povo só resta acompanhar a inconstância daqueles que planejam as suas vidas.
A população da região norte de Mato Grosso é jovem, e todos ainda se lembram com clareza das bravatas dos governantes dos anos 60 e 70, que alardearam durante décadas que o Brasil, pelas suas dimensões continentais, deveria, no futuro, ser completamente povoado pelos brasileiros – antes que viesse o domínio estrangeiro, e incentivavam para que todos se dirigissem para a Amazônia, numa cruzada de patriotismo e de trabalho, sob o slogan “Integrar para não Entregar”.
Ao chegar à região, ainda inóspita, o brasileiro se entregou ao trabalho intrépido de desbravamento; muitos pereceram pelo caminho, outros, teimosamente, avançaram. Os perigos eram constantes, mas o homem que aqui estava soube lidar com todos, e formou a sua prole e sobreviveu, entretanto, um inimigo não haveria de lhe dar tréguas: o governo do seu próprio País.
Sempre lutando contra leis ambientais unilaterais concebidas nos escritórios refrigerados de Brasília, sem qualquer preocupação com o homem, a população desta região nunca encontrou qualquer planejamento continuado dos órgãos especializados que lhe permitisse conciliar trabalho e preservação da natureza: todas as normas impunham obstáculos para o homem, mas a este não era mostrado como sobreviver…era como se fossem oferecidas dificuldades para se cobrar pelas facilidades, e o resultado não poderia ser outro: a corrupção ativa, crônica e letal se esparramou como uma praga, e grande parte do desenvolvimento de toda a região passou a se firmar na linha tênue do favorecimento para o romper consentido das leis, desde as derrubadas da floresta até a utilização do solo que dela brotou, e da madeira que dela saiu.
Estancada por leis que impedem a construção de avanço do seu progresso, em todos os níveis e ramos, a região norte de Mato Grosso, em geral, e a de Alta Floresta, em particular, entraram num perigoso estado de letargia: como se fosse a última gota que restava para entornar todo o líquido, após as várias ações de intervenção de órgãos fiscalizadores e de repressão – cuja geração e manutenção da corrupção deve ser debitada unicamente aos próprios Governos Federal e Estadual, o brasileiro deste lado do país emudeceu, pasmo e incrédulo; inerte, em estado de desalento, provocado pelo engodo dos vazios planos de desenvolvimento dos nossos governantes, numa região onde tudo é muito mais difícil – desde pequenos financiamentos agrícolas, que em outras localidades do Brasil são liberados num estalar dos dedos, até os grandes investimentos públicos – que nunca saem do papel, o habitante acima do Paralelo 13 do País não sabe a quem recorrer.
Enquanto a letargia se propaga, na construção de um estado de espírito desalentador, eis que o Ministério do Meio Ambiente lança luzes espalhafatosas sobre a região, como se fosse a última pá de cal, possivelmente pressionado por ongs e entidades similares estrangeiras, com a alegação teatral de que estariam havendo desmatamentos / queimadas desenfreados, mesmo em épocas de chuvas, tudo com base em dados do INPE – Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, cujos satélites parecem não saber diferenciar queimadas de pastos envelhecidos, de queimadas de florestas derrubadas recentemente, diferenciação essa de fácil percepção pelo mais simples dos homens que lidam com a terra na região. O que é pior, dados levantados pela grande imprensa nacional in loco em Alta Floresta, confirmam dados do INPE, quando, pelas fotos publicadas, qualquer cidadão da região sabe da inverdade das informações, o que de fato veio a ser comprovado com a fiscalização da SEMA – Secretaria do Meio Ambiente de Mato Grosso, que, enviando pessoas, não meios técnicos de satélites, para as regiões apontadas pelo INPE, demonstrou que 89,4% das informações do Instituto estão incorretas. Dos 612 pontos levantados pelo INPE em Mato Grosso, 59% são de desmatamentos antigos, 17% não têm indícios de desmate, em 12% deles ocorreram incêndio (possivelmente de pastagens ou pragas de derrubadas antigas), e em apenas 10% existe comprovação de derrubadas recentes.
Entretanto, isso não impediu ou minimizou a decisão para que fosse deflagrada a chamada Operação Arco de Fogo pelo Governo Federal na região. Centenas de homens musculosos, vestidos com roupas escuras, portando armas restritas das Forças Armadas, de grosso calibre, óculos a esconderem os olhos, em grupos, ocupando dezenas de carros também escuros, acabam de chegar à região, perfilados, preparados para enfrentar um possível grande aparato bélico dos devastadores da Amazônia, como se estivessem invadindo uma das favelas brasileiras onde impera o tráfico de drogas e de armas.
Mas, eis que esses homens fortes cumprem ordens superiores, relatórios têm quer ser feitos, a ação proposta precisa ser concretizada, para que o país demonstre ao mundo a seriedade com que a Amazônia é tratada pelo Governo Federal: num dia, em comboio, oito carros negros, com vários homens mostrando ostensivamente as suas armas letais pelas janelas – que usualmente estão sempre fechadas, acompanham em desfile pelo centro de Alta Floresta, não pelas várias ruas laterais existentes na cidade, um velho caminhão com duas toras supostamente retiradas de maneira ilegal, ao volante uma única pessoa – o motorista, alquebrado pelo trabalho diário, e sem portar sequer um canivete; em outro dia, vários veículos, com dezenas de homens armados, chegam a uma pequena serraria, com o objetivo de apreender madeira retirada ilegalmente: de armas engatilhadas, preparados para a guerra, cercam a empresa, se posicionam para o ataque, enquanto os seus chefes chamam pelo proprietário, que os atende numa sala acanhada e escura, chamada de escritório, ocupada por dois funcionários, e exigem rispidamente que sejam informados sobre a madeira depositada na empresa, no que são levados por todas as áreas, e analisam tudo o que entendem ser necessário, sempre protegidos pelos atiradores postados ao redor… Fiscalização feita, procedimentos tomados, a serraria é interditada, ficando o total de oito funcionários e o proprietário, todos parentes entre si, acuados a um canto, emudecidos pela artilharia para eles apontada; ato contínuo, os homens de preto se retiram, agora sem os óculos escuros e com as armas abaixadas, como se sentissem constrangidos pelo excesso de demonstração de força ali gasto…..
Em todos os dias, a cena se repete: carros poderosos circulam por todos os pontos da região, ocupados por homens vestidos de preto, sérios e taciturnos, enquanto helicópteros sobrevoam baixo o núcleo urbano de Alta Floresta, num ir e vir ensurdecedor, sem nada encontrarem de anormal, fazendo espetáculo para as crianças, que gritam com a sua passagem, enquanto o Governo tenta relatar ao mundo a eficiência com que tem tratado todos os assuntos relativos à Amazônia, como se ações de fiscalização e de repressão intempestivas fossem, por si só, suficientes para dirimir qualquer dúvida sobre a capacidade dos nossos governantes em executar políticas sérias, com planejamento continuado e sem margem à corrupção, de ocupação humana da região.
Por conta da propaganda do Governo Federal para o mundo todo, alardeando a sua suposta eficiência de combate à devastação da Amazônia, Alta Floresta, hoje, está ocupada também por jornalistas estrangeiros, como Tom Hennigan, do jornal britânico The Times, Alexei Barrionuevo, correspondente do jornal norte-americano The New York Times na América Latina, dentre outros, que vieram esperando encontrar uma cidade de bandoleiros, similarmente ao velho oeste dos Estados Unidos, com pessoas empilhadas em botecos e hotéis degradantes, mas, pasmos, têm perguntado da razão de tão agressivo aparato policial, uma vez que estão vendo uma cidade que tem um dos menores índices de Boletins de Ocorrência nas Polícias Civil e Militar de toda a região, uma cidade de traçado moderno, completamente arborizada, que conserva no seu núcleo urbano áreas intocadas da floresta amazônica, onde as ruas e avenidas centrais não se cruzam, razão por que da inexistência de semáforos; onde os motoristas respeitam com cuidado as faixas de pedestres; onde as calçadas amplas valorizam aqueles que estão à pé, e onde não se vê um único carro estacionado nas ruas, mas em estacionamentos apropriados, contíguos às calçadas; onde existem escolas, e as crianças e adolescentes são educados civilizadamente, como em todo o Brasil, com faculdades das redes privada, estadual e federal; onde podem ser encontradas as mais diversas atividades comerciais, sociais e culturais, como em qualquer cidade brasileira; uma cidade cuja região possui todos os tipos possíveis de mosquito, mas que mantém o controle da dengue, da febre amarela, da malária, da leishmaniose, com muito maior eficiência do que vários grandes centros urbanos brasileiros; uma cidade onde chegam as informações, como chegam em todos os cantos do mundo; onde os órgãos de imprensa têm a mesma eficiência e poder de fiscalização que qualquer outro em todo o país; onde aviões de grande porte, em linhas regulares e diárias, ligam o município aos mais diversos pontos do planeta; onde se vive em harmonia, sem a necessidade da presença ostensiva de forças policiais estranhas ao seu ambiente, uma cidade, enfim, que, junto de outras nove de Mato Grosso, assinou os protocolos da Agenda 21, o maior dos instrumentos nacionais para elaboração de políticas públicas em todas as áreas da atividade humana, inclusive do meio ambiente, sendo Alta Floresta o município escolhido para ser o articulador da implementação dessa agenda em toda a região centro-oeste do Brasil, sendo que da Agenda 21 resultará como produto a elaboração do Plano de Desenvolvimento Sustentável de todas as regiões brasileiras, inclusive da Amazônia, tudo isso com conhecimento e incentivo – inclusive financeiro, do mesmo Governo que nos remete ao ambiente de terror policial que hoje impera na cidade.
Eis que retornamos à letargia dos homens que estão acima do paralelo 13 brasileiro; eis que só lhes resta o sonho de que ainda exista algo de competente a ser feito em Brasília em relação à Amazônia brasileira, com a implantação de planejamentos sérios, livres das possibilidades de corrupção, e executados por pessoas capacitadas, sem os vícios acanhados dos projetos de preservação inócuos para a flora e a fauna, e severamente prejudiciais para o ser humano, com a visão de que a era dos seringais acabou, num momento em que a supremacia brasileira da borracha já não existe, e que são necessários projetos maiores na Amazônia, muito além da extração do latex dos seringais, do latex que parece ainda povoar a mente da Ministra do Meio Ambiente, e que ainda mantém o seu Estado do Acre como um dos mais atrasados do Brasil, em contraposição a Mato Grosso, que alcança um dos mais altos índices de desenvolvimento do País, mantendo o mesmo nível de conservação do meio ambiente que o estado acreano.
Dos sonhos nasce a esperança de que a Ministra seja substituída, e que, sendo substituída por pessoas de maior competência, com olhares voltados para o desenvolvimento sustentável e continuado da região amazônica, que beneficie o seu meio ambiente e os vinte milhões de habitantes que o ocupam, a Sra. Marina Silva preste também o maior dos favores a todos os brasileiros, não só àqueles acima do Paralelo 13, retornando à sua função de Senadora, no lugar do seu suplente, Sr. Sibá Machado (PT-AC), que ocupa um dos mais nobres cargos da nação sem nunca ter recebido qualquer voto popular, fato esse imoralmente praticado no Brasil, ainda que legal, e que demonstra, por sí só, com que mentalidade de trabalho a Ministra do Meio Ambiente tem administrado o desenvolvimento da Amazônia brasileira e o destino dos cidadãos, e dos seus filhos, que nela habitam….
Quanto aos homens de preto – ah, esses belos cavaleiros que aqui chegaram, impassíveis, sacudindo os corações das nossas moçoilas! – a população os tem entendido, sabendo que estão sob ordens superiores, mas os homens e mulheres da sociedade local, às suas presenças nos vários locais da cidade, não deixam de se entreolhar, questionando, silenciosos e temerosamente, o porquê da sua presença em Alta Floresta ……
Robson Valadão é secretário municipal de Saúde de Alta Floresta