De tempos em tempos as democracias passam por crises que colocam em xeque até mesmo a existência desse sistema político. Em geral, a democracia brasileira vive uma crise clássica de modelo devido às alternadas ditaduras que sofremos. Recuperando-se até hoje da última (1964 – 1985), setores da sociedade brasileira ainda não têm certeza se vive melhor hoje, com eleição direta, ou se era mais feliz quando meia dúzia de generais decidia tudo por nós.
Um dos indicadores dessa crise permanente é o alto índice de abstenção registrado nas últimas eleições. Em média, cerca de 30% dos eleitores não comparecem às urnas para depositar seu voto, ou, quando comparecem, votam branco ou nulo.
Votos brancos e nulos têm registrado uma queda sensível desde a adoção do voto eletrônico. Uns dizem que é porque é mais difícil anular o voto no equipamento. Outros, que os analfabetos teriam mais facilidade em digitar números em vez de escrever nomes.
Agora, para o fenômeno da abstenção pouco se tem falado. Protesto, preguiça, comodismo, estar fora do domicílio eleitoral. Tudo isso pode explicar em parte o fato de uma grande quantidade de pessoas deixarem de comparecer no dia da eleição para dar seu voto.
Pessoalmente, acredito na teoria da desmobilização típica da pós-modernidade. As pessoas não se sentem motivadas a se envolver em causas coletivas. São hedonistas. Buscam o prazer e a satisfação pessoal. Não significa que não tenham consciência política. Têm. Mas não querem se envolver. No mais das vezes, assinam o manifesto, mas não manifestam. Fazem doações ao Criança Esperança, mas não adotam um menor abandonado. Dão esmolas na igreja, mas não se envolvem na luta contra a miséria e a exclusão.
De outra parte, nossos políticos não têm feito muito por merecer a confiança dos eleitores/cidadãos. O país vive desde o impeachment do presidente Collor uma safra portentosa de escândalos de toda natureza. Cada escândalo desse não abala apenas a imagem do político envolvido, mas da política, das instituições públicas, da democracia.
É nesse ambiente que ressurge uma forte campanha nacional no Brasil pelo voto nulo. Não se trata apenas dos besteiróis outrora empunhados pelo MR-8 sempre que o PMDB ficava fora da disputa. É algo mais elaborado, mais consistente, embora espontâneo.
Funda-se na desilusão, na desesperança, sobretudo depois da frustração com o Governo Lula. O problema é que Alckmin não é uma alternativa progressista ao Lula. No máximo, é mais do mesmo, como o próprio Lula tem sido uma prorrogação de FHC. Heloísa Helena e Cristóvam Buarque até seriam essas alternativas, mas sem nenhuma chance de vitória. Logo, no quadro da desilusão, prospera o desespero, a apatia, terreno perigoso para a democracia, porque ao caos sucede a barbárie.
Portanto, a campanha do voto nulo não é afirmativa. É apenas a negação do status quo vigente. Mas, não sabe ainda indicar o caminho para a luz. É como o organismo extirpando um corpo estranho, mas sem saber exatamente no que aquilo vai dar.
O voto nulo, ao contrário da desmobilização da pós-modernidade, não é consciente, e, como tal, não produz conseqüência. Ao contrário, mantém o status quo, porque só o que pode mudar o establishment é a atitude consciente, engajada, direcionada. Nesse sentido, o voto nulo chega a ser reacionário, porque inibe ou anula a possibilidade de mudança. O democrata consciente saberá encontrar um voto, mesmo quando as opções se pareçam idênticas, porque consciência significa saber discernir essência de aparência, circunstância e conjuntura.
Kleber Lima é Jornalista, Consultor Político filiado à ABCOP (Associação Brasileira de Consultores Políticos), e Consultor de Comunicação da KGM