A já admitida fraude nas duas licitações do programa "Mato Grosso 100% Equipado" foi um dos assuntos mais quentes das últimas eleições estaduais. E tinha mesmo que ser. Afinal, a entrega dos maquinários constituiu-se num canhão eleitoral. Por essa razão, a fraude – admitida pelo ex-governador Blairo Maggi, registre-se – não seria poupada pela oposição.
Como ingrediente extra, surgiu um empresário falastrão que escancarou o esquema, envolveu três secretários e dedurou também seus colegas de empreita. Depois do alcagüete, dois secretários caíram e outros famosos estafetas palacianos com acesso irrestrito a Maggi também ficaram chamuscados. De todos os envolvidos, todavia, um deles sobreviveu à crise: Eder Moraes, o secretário da Fazenda na época das licitações – e acusado pelo empresário Pérsio Briante de tê-lo procurado para retornar parte do dinheiro pago indevidamente.
O tema foi bastante explorado durante as eleições sob o lema "Mato Grosso 100% equipado e 20% roubado", como alcunhou o então candidato Pedro Taques, o que forçou Silval Barbosa a despender preciosos esforços de campanha para explicar o escândalo, e fez Blairo Maggi confessar que "chorou" quando soube do caso, que, no seu próprio dizer, "manchou" sua administração exitosa. Para sua sorte, a administração Maggi foi tão exitosa que conseguiu produzir gordura de popularidade suficiente para queimar na crise e ainda elegê-lo senador e não comprometer, embora por pouco, a eleição de Silval no primeiro turno.
Quando todos pensaram que o caso tinha esfriado depois das eleições, eis que o assunto volta a ocupar as primeiras páginas dos jornais, e agora tragando o próprio ex-governador e senador eleito para o centro da crise. A ponto deste reagir escalando seu advogado para entrar de sola no promotor que decidiu pronunciá-lo. Mesmo assim, o Eder continua incólume, e pelo que se percebe nos bastidores do poder, a cada dia mais forte.
O talento de Eder Moraes em se manter fora da lista de indiciados no escândalo dos maquinários é algo admirável ou no mínimo curioso, e lembra a história de Tom Ripley, "um homem que não reconhece a culpa em qualquer circunstância", da escritora americana Patricia Highsmith, que entre vários thrillers criminais e psicológicos produziu uma série de cinco livros sobre um jovem talentoso e ambicioso, que embora pobre, consegue penetrar no mundo de luxo e glamour com o qual sempre sonhara, só que cometendo cada vez mais crimes, entre assassinato, fraudes, golpes, etc., como uma bola de neve ladeira abaixo.
A série, iniciada com "O Talentoso Mr. Ripley (1956)", rendeu pelo menos cinco adaptações para o cinema, sendo recomendável ao menos o filme homônimo, de Anthony Minghella, de 1999, com um talentoso e jovem elenco, composto por Matt Damon (no papel de Ripley), Jude Law, Gwyneth Paltrow e Philip Seymour Hoffman, com primorosas atuações.
Patricia Highsmith, a autora, é um personagem bastante controverso e bizarro da literatura americana, merecendo ela própria uma boa adaptação biográfica para o cinema, mas os romances sobre Tom Ripley são obra de ficção.
Já o escândalo dos maquinários e o talento do Eder em manter-se fora dele são fatos da vida real. E sobre esses fatos, destacam-se dois registros da imprensa desta semana. 1) Para defender Maggi, seu advogado Sebastião Monteiro disse à imprensa que o Ministério Público, na pessoa do promotor Mauro Zaque, "não pode escolher a seu bel prazer quem processar". Isso aumenta ainda mais o talento de Eder, uma vez que até agora a expiação está toda em cima dos ex-secretários Vilceu Marchetti e Geraldo De Vitto. 2) Já o promotor Zaque, na sua réplica, enfatizou que "ninguém desvia R$ 44 milhões sem o chefe saber". Mais uma vez o talento de Eder se revela: até o ex-governador entra na dança, mas o secretário que tinha a chave do cofre e foi citado por um delator premiado continua assistindo ao espetáculo de camarote.
Kleber Lima é jornalista e consultor de marketing em Mato Grosso