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O ouvidor que nunca houve

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Se você tentar falar normalmente com ele, terá dificuldades em ser ouvido. Precisa, então, falar compassadamente e elevar um pouco o tom da voz. E só. A partir daí, a conversa flui maravilhosamente bem. Sobre todos os assuntos. Da Bíblia aos dias atuais, passando por toda a história política de Sinop. Nos meus tempos de jovem e idealista repórter do rádio e da TV, tive alguns problemas com ele. Certa vez, na Câmara Municipal, na primeira legislatura, fiquei por vários minutos, gravador em punho, ao lado da tribuna, gravando a leitura de uma certa “Moção de Repúdio à Rádio Celeste”. Era o “posicionamento” do legislativo municipal de Sinop frente a uma emissora pioneira na cobrança de dias melhores para Sinop e região.

Noutra ocasião, ele esbravejou na tribuna contra a revista de prestação de contas da administração de Adenir Barbosa (Sinop 1992), que editei. É que a revista, num pequeníssimo trecho, falava de um certo José Joaquim de Souza Filho, então secretário do Conselho Municipal de Desporto. Achou, esse meu personagem, que a foto beneficiava Joaquim, então candidato a vereador. Outra vez, eu já na extinta TV Kaiaby, tive que suportar outro arroubo de ferocidade dele. Na verdade, ele estava bravo nesse dia porque, se bem me lembro, Alcides Raiter, na platéia, levou alguns cartazes de protesto cujo tema não me recordo.

Outra vez, foi impagável numa sessão da Câmara quando, ao lado de Osmar Martinelli, soltou: “O Osmar está me dizendo, aqui, que não tem problema o nome de um bichinho no meio de uma cidade na qual as ruas têm nomes de árvores e plantas”. E o nome da avenida foi mantido.

Quem conhece a história política de Sinop já sabe de quem estou falando. Mas digo mais. Listo alguns feitos desse personagem que nunca mediu esforços, nem jeito, nem forma, nem grito em busca do que acredita. No início, quando Sinop nem tinha emissora de Rádio, era comum vê-lo nos eventos de microfone e gravador – bem antes, portanto, do Cacique Juruna.

Em 1980, organizou o CTG para uma gloriosa homenagem ao Presidente João Figueiredo, que voltaria a Sinop mais duas vezes: em dezembro de 1984, para inaugurar o asfalto da Br-163, e em junho de 1988, para receber o título de cidadão honorário e abrir o coração na platéia que o ouviu após o jantar, no Colonial. Na segunda visita de Figueiredo, já era vereador, cargo pelo qual lutou com unhas dentes, tendo, até mesmo, ido falar pessoalmente com o juiz eleitoral, em Cuiabá, a quem convenceu dos equívocos do resultado – havia ficado de fora, por erro de totalização nos mapas, feitos manualmente. Voltou de Cuiabá vereador, enquanto o saudoso Massami Uriu ainda festejava. Na primeira reunião da Câmara, uma genial manobra por ele perpetrada o levou à presidência. Ocupou o cargo nos biênios 1983/1984 e 1993/1994. No primeiro, montou a Câmara; no segundo, ampliou o prédio para o tamanho atual.

Primeiro vereador do interior eleito e reeleito para a presidência da então União dos Vereadores de Mato Grosso (Uvemat). Na Constituinte de 1986, sobressaiu-se entre os representantes de todos os Estados. Usou da palavra e defendeu interesses de Mato Grosso e da Amazônia. Lutou para a instalação da Unemat. No Amazônia Clube (ex-CTG Porteira da Amazônia), fez mais de 20 carnavais e vários festivais da canção. É do tempo em que carnaval se fazia com um bumbo e alguns pistões e cornetas. Vem daí a surdez de um ouvido.

Falo de Valdemar Brandão, “gaúcho” de Joaçaba (SC), criado na região de Capanema (PR), às margens do Rio Iguaçu. Técnico em Contabilidade, curso feito em Curitiba, onze anos de Bamerindus, 32 de Sinop, três filhos e quatro netos. Falo do futuro Ouvidor Municipal de Sinop, cargo inédito anunciado pelo futuro prefeito. Se o deixarem trabalhar, será um sucesso. Mesmo com apenas um ouvido bom. Afinal, em terra de surdo, quem tem um ouvido é rei. E quem tiver um rei assim pode virar um prefeito nota 10.

Leonildo Severo da Silva, advogado em Sinop.
[email protected]

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