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O meu Dante de Oliveira

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Acompanhando com muito interesse e saudade matérias e artigos sobre os
quatro anos de morte de Dante de Oliveira. Leio e concordo com muito: sua
importância para a história recente do Brasil, as Diretas Já, sua liderança
estadual e nacional, seu carisma, a figura querida que o “Magrão” sempre foi
para aqueles que tiveram o privilégio de em alguns dos momentos de sua vida
estar perto dele.

Tive esse privilégio. Conheci Dante numa tarde do longínquo agosto de 1983,
me apresentado pelo seu primo e camarada Aluízio Arruda. Mais tarde, já em
84, estive com ele num grande comício pelas Diretas Já em Rondonópolis. Eu,
militante do PC do B, clandestino no PMDB, estava lá na organização do
evento junto com Percival Muniz, Moacir Gonçalves, Hermes de Abreu, Osmir
Pontin e tantos outros.

Mais adiante, em 85, fui um dos organizadores da caravana que saiu de
Rondonópolis com mais de 20 ônibus lotados para ajudar na boca-de-urna da
eleição de Dante para a prefeitura de Cuiabá. Era uma sexta-feira de sol
muito forte e o termômetro chegou a marcar 47 graus nas proximidades da
Escola Senador Azeredo, onde coordenei a minha equipe.

Dali para frente acompanhei, nos bastidores, algumas decisões políticas do
PMDB que levaria Carlos Bezerra ao governo do Estado. A eleição de Dante de
85 foi fundamental para o projeto político do PMDB. Nessa época o Brasil
vivia o auge e o fracasso do Plano Cruzado e o governo de José Sarney estava
numa encruzilhada histórica. Ou avançava, cedendo ao PMDB mais progressista,
ou recuava, capitulando diante das forças de direita, tendo o PFL no
comando, mais a UDR (União Democrática Ruralista) por fora, ajudando a
sabotar o governo para impedir a reforma agrária.

É nesse contexto que Dante de Oliveira se licencia da prefeitura para
assumir o Ministério da Reforma Agrária. O governo precisava da liderança de
Dante, da sua legitimidade política e do respeito que detinha diante da
nação. Mas não deu certo. As forças de direita avançavam à medida que o
desgaste de Sarney no rodo do fiasco do Plano Cruzado ia deteriorando sua
base política até afetar profundamente o PMDB. O resultado foi a saída de
setores mais progressistas na época, que criaram o PSDB (em 88) ou migraram
para partidos mais à esquerda. Dante foi para o PDT.

Candidato a deputado federal pelo PDT, em 1990, Dante foi o mais votado, com
mais 90 mil votos, mas o partido não atingiu o quociente eleitoral. Fui
coordenador da campanha dele em Rondonópolis. Dois anos depois ele seria
eleito novamente prefeito de Cuiabá. Participei da campanha somente como
militante e depois assumi o cargo de coordenador de Comunicação, na Secom.

Foi a partir daí que vi aquele meu Dante, o Dante progressista, a liderança
de centro-esquerda mais importante e respeitada do país, o homem que ajudou
a derrubar a ditadura militar, que foi fonte de inspiração para toda uma
geração, foi ali na convivência diária com ele que vi tudo isso desaparecer.
Dante começou a se perder na política a partir daí, desde composição de seu
staff. Não somente o secretariado, mas também os que orbitavam nele e em sua
administração. Era ele e seu grupo de amigos, irmãos e dirigentes
partidários de sua estrita confiança que de fato mandava. Seu projeto
político de ser governador, gestado pelo menos seis anos antes, ganhava
fôlego. Mas não era exatamente um projeto de seu partido e das forças
políticas que o apoiavam. Era um projeto de um grupo oligárquico.

Seu primeiro governo foi a mais pura expressão de um governo oligárquico, um
grupo que se fechou na administração do Estado e mandou e desmandou. O
segundo governo, já tendo Dante no PSDB, foi um pouco mais aberto, mas era a
mesma oligarquia que ditava rezando pela cartilha neoliberal que levou ao
desastre do desmantelamento do Estado e a entrega de duas de nossas mais
importantes empresas estatais: a Cemat e o Bemat. Conduzindo-se como se às
cegas na sanha privatista, Dante viveu, a meu ver, momentos ridículos,
repetindo gestos como o de bater o martelo e exibir sorridente um cheque
simbólico no leilão da Cemat, vendida a preço duvidoso.

O caso do Bemat é ainda mais grave. O Banco do Estado de Mato Grosso foi
simplesmente asfixiado até morrer nem mesmo honras de funeral. Um patrimônio
jogado no lixo sem nenhuma comiseração. Menos piedade ainda com funcionários
e funcionárias que viram de uma hora para outra suas histórias de longos
anos meramente desprezadas. Não foram poucos os suicídios de bematenses.

Esta é uma história de Dante que não há como esconder. Por isso tenho por
ele uma mistura de carinho e decepção. Carinho por tudo que ele representou
para a minha geração, para mim especialmente que vivi grande prazer e
orgulho de compartilhar com Dante a luta política de mais de dez anos.
Decepção porque ele destruiu não apenas sonhos de muitos de nós. Corroeu sua
própria história política. Dante de Oliveira não merecia isso. Só lamento
que ele poderia ter se redimido, mas a morte o encontrou prematuramente.

João Negrão é jornalista em Cuiabá

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