A situação do rebaixamento dos títulos dos EUA, mais do que colocar em julgamento a capacidade de pagamento daquele país, acendeu uma luz sobre a situação das finanças públicas dos países desenvolvidos.
Pelo cenário conhecido, é muito mais fácil predizer uma crise que seja originada na Europa do que nos EUA. A dívida pública européia tem a mesma proporção da americana (100% do PIB), porém a Europa tem a seu desfavor uma estrutura de gasto muito mais rígida e inflexível, o que torna muito mais difícil a adoção de qualquer política de ajuste das contas públicas.
Enquanto na economia americana vigora uma mentalidade neoliberal, de capitalismo privado, ágil na tomada de decisões, na economia européia vigora um capitalismo de estado, com grande participação do governo, sob os auspícios da social-democracia, o que o torna, pela própria natureza, mais inflexível.
Ambos, EUA e Europa, deverão tomar decisões difíceis para reduzir os recorrentes e insustentáveis déficits fiscais. As opções: aumentar os impostos ou reduzir os gastos sociais, são políticas de difícil implementação, mas seja qual for a opção, os EUA gozam de posição muito mais confortável do que os países europeus.
Nos EUA a carga tributária (o peso dos impostos no bolso dos cidadãos) atinge menos de 27% do PIB, enquanto nos países europeus gira em torno de 40%, sendo que alguns países como a Suécia e a Dinamarca, alcançam quase 50%. Então, pelo lado da receita, os EUA têm muito mais margem para negociar um aumento dos impostos do que os países europeus (para cada 1% do PIB, que os EUA aumentar de impostos, gerará uma receita extra de US$ 1,4 trilhão de dólares/ano).
Também visto pelo lado das despesas, dada a composição dessas, os EUA têm mais condições de reduzi-las do que os países europeus, sem causar maiores danos sociais e, portanto, politicamente de mais fácil condução.
Nos países europeus estabeleceu-se, ao longo do tempo, uma rede de proteção social calcada no tripé: saúde, previdência e assistência social, chamado de Welfare State (estado do bem-estar social). Esse modelo de proteção social, adequado para uma economia industrial, tornou-se um peso para a sociedade de serviço ora vigente, e extremamente oneroso, principalmente para uma sociedade envelhecida como a européia.
Os EUA também têm sua rede de proteção social, porém com alcance relativamente menor e, portanto, de mais fácil flexibilização e adequação à realidade orçamentária do governo.
Por outro lado, os gastos militares dos EUA consomem 5% do PIB (18,5% das receitas), enquanto os países europeus gastam apenas 1,5% do PIB (menos de 0,5% das receitas), em média (somente as guerras do Afeganistão e Iraque, custam em torno de US$ 1,3 trilhão de dólares/ano). Ora, uma proposta para reduzir gastos militares é de muito mais fácil aceitação política do que uma que contemple cortes em gastos sociais.
O perigo de uma crise existe e é real, mas se vier não será por causa do montante da dívida dos EUA e muito menos por insolvência. Aquele país tem resiliência para enfrentar a crise.
O gigante do norte está ferido sim, mas muito mais no seu orgulho soberano e isso, objetivamente, não representa perigo. O perigo hoje, quem representa, é o velho continente.
Waldir Serafim é economista em Mato Grosso.
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