Na condição de única representante do gênero feminino a ter ocupado a cadeira de presidente da seccional da Ordem dos Advogados do Brasil em Mato Grosso, cargo que exerci por dois mandatos, e ainda, na condição de desembargadora, tenho recebido inúmeros convites para palestrar sobre a participação da mulher na política e em outros segmentos. E em todos os debates dessa natureza me deparo com manifestações de surpresa – e de indignação – por parte de representantes do movimento feminista, quando manifesto minha opinião contrária ao sistema de cotas para candidaturas femininas.
Meu posicionamento, longe de ser machista, vem justamente da minha experiência em ambientes eminentemente masculinos, como a militância na advocacia nos anos 80 e 90 e o trabalho de desembargadora no Pleno do Tribunal de Justiça, a partir de 2005. Quando ascendi ao cargo de desembargadora éramos apenas duas mulheres, a desembargadora Shelma Lombardi de Kato e eu, em um Tribunal Pleno composto por 28 homens.
Não foi fácil abrir caminhos naquela época. Existia, e ainda existe, uma postura machista por parte da sociedade, e não é diferente no Poder Judiciário. Mas penso que se eu tivesse chegado onde cheguei por meio de um sistema de cotas, teria maior dificuldade para firmar minha posição, enfrentaria mais resistência e, talvez, seria alvo de olhares desconfiados quanto à minha real capacidade técnica.
Minha experiência, portanto, me habilita a afirmar que a adoção do sistema de cotas pode ser prejudicial ao próprio amadurecimento da emancipação feminina. Esta medida paternalista pode induzir a sociedade a acreditar que, sem ela, não seríamos capazes de desempenhar funções de alto nível de gerência ou de liderança.
Reconheço a importância de políticas afirmativas para o gênero feminino, desenvolvidas por alguns países europeus nas décadas de 60 e 70 quando, de fato, era necessário adotar medidas para incentivar a sociedade a dar os primeiros passos em direção à paridade entre os gêneros.
No Brasil, desde 2009, cada partido ou coligação deve preencher o mínimo de 30% e o máximo de 70% para candidaturas de cada sexo, postulantes a uma vaga no Legislativo municipal, estadual ou federal (alteração prevista na Lei 12.034/2009). Mas já passamos deste momento inicial e, hoje, o gênero feminino tem conquistado espaço nas mais diversas áreas de atuação profissional, sem reservas de cotas.
No âmbito da política partidária mato-grossense, os números mostram que nas eleições municipais de 2012 tivemos um total de 9.125 candidaturas ao cargo de vereador, das quais 6.223 foram masculinas e 2.902 femininas, ou seja, 31% do total de candidaturas foram de mulheres. Os partidos, portanto, cumpriram a legislação no que diz respeito ao número mínimo de candidaturas femininas. Mas será que o efeito prático foi o esperado?
Pois bem, do total de 9.125 candidatos e candidatas a vereador em Mato Grosso, foram eleitos 1.212 homens e apenas 178 mulheres para as Câmaras Municipais, o que representa apenas 12%. A qual conclusão podemos chegar, após analisar estes números?
De duas, uma: ou o eleitorado feminino não vota em mulheres, preferindo depositar sua confiança de forma reiterada nos candidatos do sexo masculino, ou os partidos políticos estão emprestando nomes de mulheres, como candidatas laranja, apenas para preencher a cota mínima exigida pela legislação, sem o devido apoio às suas campanhas. Eu acredito na segunda hipótese.
Mais uma vez recorro à minha experiência empírica para formar minhas convicções. Nas sessões do Pleno do TRE é comum nos depararmos com processos de candidatas que não prestaram contas de suas campanhas eleitorais, por puro desconhecimento. Muitas aceitam emprestar seus nomes para os partidos preencherem suas cotas, mas são abandonadas no dia seguinte à eleição. A esmagadora maioria destas mulheres pensa que a obrigação de prestar contas é do partido. Desconhecem que qualquer candidato, mesmo aqueles que não gastaram um centavo sequer, precisa prestar contas à Justiça Eleitoral. E, ao não prestar contas, a candidata amarga as consequências sozinha: se passar em concurso público, não pode assumir; se quiser tirar um passaporte, não pode tirar; se quiser novamente participar do processo político, não pode.
A solução para este problema seria uma alteração na legislação para que o partido passe a responder solidariamente com o candidato, quando ele não presta contas da arrecadação e gastos de sua campanha à Justiça Eleitoral. Esta alteração ainda não se tornou realidade, mas no ano passado tivemos um pequeno avanço na esfera das candidaturas femininas. A Lei 13.165, que ficou conhecida como minirreforma eleitoral de 2015, prevê que nas três eleições seguintes os partidos reservarão no mínimo 5% e no máximo 15% do montante do Fundo Partidário destinado ao financiamento das campanhas eleitorais, para aplicação nas campanhas de suas candidatas.
Essa novidade, com certeza, vai favorecer as candidaturas femininas, mas penso que a legislação deveria trazer ainda a obrigatoriedade de os partidos políticos promoverem ciclos de palestras e encontros nos municípios, com o objetivo de fomentar a consciência política entre as mulheres, formar novas lideranças e estimular a participação delas nos cargos de direção dos órgãos partidários. Estas são, a meu ver, as medidas que trarão mais resultados contra o que chamam de alienação política feminina.
A minha preocupação com a pouca participação feminina na política não se reveste do amargo sentimento de disputa entre os gêneros. Longe disso. Penso que os atributos de um candidato a cargo eletivo devem estar ligados à sua capacidade técnica para exercer a função que pleiteia e à sua idoneidade moral. Neste sentido, a questão do gênero é secundária. Mas é inegável que, em uma democracia plena, todos os segmentos da sociedade precisam se sentir representados nas diversas instâncias de poder, entre eles as mulheres, os negros, os não negros, trabalhadores rurais, proprietários rurais, empresários, sindicatos e trabalhadores. E é com um olhar crítico sobre a necessidade de alcançar a democracia plena, que a Justiça Eleitoral tem promovido debates para estimular maior participação das mulheres na direção dos partidos políticos e nas disputas por cargos eletivos em Mato Grosso. Ainda não vivemos a tão sonhada democracia plena entre homens e mulheres, mas não é com a imposição das cotas que vamos alcançá-la. O que acaba com a desigualdade não é o sistema de cotas, mas a conscientização da sociedade.
Maria Helena Póvoas – desembargadora Presidente do Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso