“Meninos, eu vi!”. Pego carona na famosa frase de Juca Pirama, personagem do belíssimo poema “I-Juca-Pirama”, de Gonçalves Dias, poeta do Romantismo brasileiro. Estimado (a) leitor (a), eu vi! Apesar da distância que me separa do meu Estado natal, vi e tenho visto. Isso graças à rede mundial de computadores. Salve a Internet! Vi a instalação da CPI da SEMA; tenho visto, pois é recorrente, o desserviço que parlamentares da Assembléia Legislativa têm prestado às suas bases eleitorais e ao Mato Grosso (friso que não são todos. Nem garanto que seja a maioria. Faço alusão àqueles que gostam de um populismozinho); vi a apreensão dos adeptos do “troca-troca” partidário com os entendimentos do STF e do TSE, incluindo-se na lista até Governador (no singular mesmo) de Estado; vi a diminuição do mandato de prefeito para três anos. (Você não viu? Falta um ano – 25% do mandato – para a eleição e só se fala nisso!); tenho visto o esquecimento do nortão pelo Governo do Estado – fato que sempre existiu, triste e incômoda realidade; vi as operações pirotécnicas da Polícia Federal, em nossa região; para não ficar muito bairrista, enfim, vi também que o presidente Lula e seus asseclas não viram nada.
“Mas o que isso tem a ver, no limite do razoável, com a literatura?”, perguntar-me-iam. Primeiro, respondo-lhe “sem pressa, leitor (a)”. A justificativa em si para a minha aparente embromação fica por conta do nosso Machado de Assis, em suas Memórias Póstumas de Brás Cubas, com as adaptações necessárias: “(…) o livro [o artigo] é enfadonho (…), porque o maior defeito deste livro [artigo] és tu, leitor. Tu tens pressa de envelhecer, e o livro [artigo] anda devagar; tu amas a narração direta e nutrida, o estilo regular e fluente, e este livro [artigo] e o meu estilo são como os ébrios, guinam à direita e à esquerda, andam e param, resmungam, urram, gargalham, ameaçam o céu, escorregam e caem…”. Refrigerados os ânimos, continuemos. É verdade que os fatos mencionados no início renderiam boas histórias de ficção, comédias, romances, autos, tragédias, os quais se encaixariam nos mais diversos gêneros literários – Lírico, Épico ou Dramático. No entanto, a razão principal que me leva as mãos ao teclado é outra. Dia 29 de Outubro foi o Dia Nacional do Livro. Pausa. Digo alguma novidade? Se não sabia, não se intimide. Ninguém sabia. Sempre critico os parlamentares por conta de sua maior especialidade, qual seja, a de criar feriados, homenagear santos em algum dia, batizar ruas e viadutos com nomes de pessoas famosas. Mas releve, ou melhor, considere o dia que o Brasil escolheu para o livro. É por uma boa causa. Isso ganha importância ainda maior se considerarmos uma pesquisa – confesso que não sei se é a mais atualizada – da Câmara Brasileira do Livro (CBL), segundo a qual o brasileiro lê, em média, 1,8 livro por ano. Chegar à conclusão de que o brasileiro lê pouco é pouco demais.
“Pouca saúde, muita saúva, os males do Brasil são”, diz Macunaíma, personagem protagonista de livro homônimo, de Mário de Andrade. Discordo. As agruras brasileiras têm como fonte (renovável) a falta de leitura dos brasileiros todos, incluída a classe dos homens públicos. Assim, respondendo à sua pergunta (aquela sobre a relação entre política e literatura), caro (a) leitor (a), digo que, no caso do Brasil, ocorre a negação do pressuposto, simplesmente porque não existe essa correlação. Os nossos representantes, que são filhos de Deus e, portanto, brasileiros, também não lêem. Penso que, para se candidatar a um cargo público, um curso superior não deveria ser exigido – muitas faculdades emburrecem o aluno, e não são poucas, se se levar em conta o número assustador das que praticam estelionato acadêmico. Mas defendo, sim, que a candidatura deveria estar vinculada a uma prova sobre obras literárias previamente listadas, como se faz nos exames vestibulares. Na minha humilde opinião, a falta de leitura guarda estreita relação com a falta de moralidade na vida pública. No Japão, onde a população, sem margem para especulação, lê muito mais que nós, um político, quando se vê envolvido em um escândalo, renuncia ou se suicida (mês passado, o primeiro-ministro daquele país renunciou por tal motivo), como nas tragédias gregas, se a comparação não for muito forçada. É claro que, se a moda vingasse por aqui, faltaria lugar em nossos cemitérios, como acontece em nossos presídios…
Ler um bom livro não significa apenas viajar em uma historinha legal ou engraçadinha. Os personagens dessas obras-primas representam tipos sociais, pessoas que existem no lado de cá, na vida real. Os grandes escritores têm/tiveram um senso aguçadíssimo de como o ser humano funciona, mostrados os seus vícios e as suas virtudes. As situações em que os personagens são colocados também cumprem essa função. E conhecer, minimamente, a maneira como as pessoas se comportam é de valiosa utilidade para quem precisa tomar uma decisão, sobretudo se esta influenciar a vida dos outros. Daí a necessidade de se criar, no Brasil, a relação entre política e literatura – fazer política, em última instância, significa tomar decisões. Porém, leitor (a), enquanto uma Proposta de Emenda à Constituição que vincule a candidatura à leitura não é apresentada e, enquanto a bandeira da educação não dá Ibope – o senador Cristovam Buarque é um exemplo -, tenha iniciativa e leia. Se não acredita em mim, invoco Guimarães Rosa, na década de 1950, em Grande Sertão: Veredas: “Riobaldo, a colheita é comum, mas o capinar é sozinho”. Faça o seu dever de casa, faça a sua parte! Em meio a tantos acontecimentos estranhos, para usar um eufemismo, na política nacional, só há uma forma inteligente de protestar. Não se iluda, estimado (a) leitor (a), estudar é a melhor forma de protesto que existe.
Thiago Stuchi Reis de Oliveira é alta-florestense e estudante de Direito na Universidade de São Paulo (USP)