Uma das peculiaridades de nosso país é que aqui há leis que pegam e leis que não pegam. Não conheço o mundo todo, mas nos países que conheço, se há governo, as leis são cumpridas. Quando não são, é porque há guerra civil, estado de sítio, ausência do Estado etc. Aqui, tudo depende…
Algumas leis muito boas pegaram e têm contribuído para uma vida melhor. Exemplo: o Código de Defesa do Consumidor, datado de 1990, que reduziu e muito práticas abusivas de fabricantes, comerciantes e prestadores de serviços. Milhões de brasileiros já recorreram à Justiça ou aos Procons, reclamando de companhias aéreas, telefônicas, bancos, fabricantes de automóveis, restaurantes, entre outros. Graças ao CDC, tiveram êxito. Porém, no meu entendimento, o principal mérito da lei foi alterar o comportamento dos empresários que passaram a respeitar mais os seus clientes.
O sucesso da defesa do consumidor em grande parte foi baseado na lei e nas medidas que criaram os juizados de pequenas causas, desafogando o Judiciário e proporcionando um rito mais célere para demandas de menor valor econômico,mas de grande relevância social. Essa também foi uma lei que pegou.
Outros exemplos de sucesso foram a Lei de Responsabilidade Fiscal, de 2000, e a Lei Maria da Penha, de 2006. A primeira, embora alvo de constantes tentativas de 'dribles' ou 'flexibilização', é decisiva para coibir práticas nefastas na gestão das finanças públicas. Além de ter proporcionado maior transparência e vigilância sobre receitas e despesas governamentais, a condenação de seus transgressores a penas como a inelegibilidade é fator dissuasório de condutas tão tradicionais e disseminadas que pareciam impossíveis de serem enfrentadas com sucesso. Por sua vez, a Lei Maria da Penha trouxe a público e aos tribunais o tema da violência doméstica e o combate à subcultura machista que considera a mulher patrimônio do marido ou companheiro. Aqui também, mais do que as inúmeras condenações registradas, o benefício maior da norma é a indução à mudança comportamental.
Infelizmente, outras leis bem intencionadas e bem elaboradas não pegaram totalmente. Um exemplo é a legislação ambiental. É tamanha a falta de estrutura dos órgãos ambientais que até mesmo as unidades de conservação públicas são objeto de desmatamento e atividades ilegais. Em grande parte, medidas importantes em áreas como recursos hídricos e resíduos sólidos nunca saíram do papel.
Outra lei que pegou pela metade foi a Lei Seca ou a repressão aos condutores de veículos que dirigem alcoolizados. Nos locais onde há fiscalização sistemática, registram-se apreensões, punições e, principalmente, a redução de acidentes e de vítimas causados pela embriaguez ao volante. Nos demais, tudo continua como antes e até postos de combustíveis às margens de rodovias convertem-se em pontos de encontro para consumo exacerbado de bebidas alcoólicas. Em nível nacional, ainda contabilizamos milhares de mortes anuais por desrespeito à Lei Seca.
Em janeiro, entrou em vigor a lei 12.846/2013, conhecida como Lei Anticorrupção. A nova lei representa uma evolução positiva, aperfeiçoando aspectos de normas anteriores e cobrindo importantes lacunas até então presentes na legislação. O principal aspecto a ser destacado é a possibilidade de punição às pessoas jurídicas, ou seja, às empresas, e não apenas às pessoas físicas de seus sócios, diretores, gerentes e funcionários.
Assim, a empresa que se beneficiar de atos de corrupção de agentes públicos poderá ser duramente penalizada. Anteriormente, eventuais sanções só podiam ser imputadas aos prepostos de tais empresas.A nova lei chama a atenção para o fato de que a corrupção é uma moeda de duas faces. Para cada ato de corrupção, há um corrupto no setor público e um corruptor no setor privado.
Mais do que torcer, é preciso trabalhar para que esta lei também pegue.
Luiz Henrique de Lima – auditor Substituto de Conselheiro do TCE-MT. Graduado em Ciências Econômicas, Especialização em Finanças Corporativas, Mestrado e Doutorado em Planejamento Ambiental, Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia.