As atuais plataformas informáticas vieram dar voz a milhares, milhões de pessoas que até então se sentiam impossibilitadas de serem ouvidas. Isso é uma revolução extraordinária e evidencia, sem cortinas, o quanto a sociedade, o indivíduo, pensa e sente sobre assuntos, sejam eles quais forem. Esta liberdade aprimora o desejo de participar muito para além do voto.
Esta nova facilidade não encontra uma correspondência direta na qualidade dos conteúdos, mas produz um gigante aumento de acesso a informação que devidamente universalizada e ensinada nas escolas, trará excelentes benefícios para a democracia. Uma maior distribuição de informação e conhecimentos agrega capacidade de ponderação e discussão, e entusiasmará na escolha de caminhos, principalmente os que nos regem, como sejam leis e políticas governamentais.
O advento das redes tem exigido adaptações de diversa ordem. Em termos pessoais, para alguns, isso se apresenta como um futuro novo que está vindo, mas para outros, os mais jovens, trata-se de um presente inquestionável, sem antecedentes comparativos. Essa diferente abordagem em nada altera a necessidade dos jovens também pensarem e decidirem sobre o nosso futuro. Penso mesmo que agora com esta nova “opinião em rede”, mais do que nunca, novas vozes se farão ouvir. Vozes mais angustiadas, com mais dificuldade de propagação, vozes que podem muito bem ser as que mais se preocupam com o futuro. Já que o imediatismo e consumismo se instalaram como sentido de vida nas gerações mais velhas que veem seus sonhos se esvaziar.
A ideia de que ser jovem se resume a ser irreverente e reproduzir o eterno confronto de gerações, sobre as quais recai na mais velha a responsabilidade de decidir, penso ser algo que paulatinamente a “rede” irá potenciar alteração nessa correlação de forças. A ideia de que a “rede” operara uma sublimação, ou seja, torna gasoso tudo o que é sólido, está também ainda por provar. Mais do que nunca a “rede” vem permitir expor a diversidade e a ela lhe dar mais espaço real. Cada expressão, individual ou grupal vai poder assim melhor se desenvolver e ganhar não só mais adeptos como lançar agendas que não mais poderão deixar de ser equacionadas politicamente, enquanto legitimas expressões de vontades num contexto social.
Cada vez mais cedo os cidadãos ganham consciência política e voz na sociedade. Cada vez mais a velha expressão “no meu tempo” perde sentido. O próprio conceito de jovem está envolto em novos paradigmas de que a socio-biologia um dia melhor nos esclarecerá. Esse ganho de participação do qual as “redes sociais” são um poderoso combustível, não está a ser motivador de requação da democracia, pois na sua gênese ela não está ferida. Bem pelo contrario, encontra ai terreno fértil para crescer. As organizações políticas de maior expressão ideológica, nomeadamente partidos, sindicatos, plataformas, movimentos e outras, são ainda o garante da democracia, por muito que a “rede” possa também trazer a público a existência de forças contrárias a esse modelo, defensoras de soluções mais militarizadas, mais ou menos ditatoriais, ou menos representativas.
A aceleração que os sistemas digitais introduzem nas nossas vidas reflete-se consequentemente também nessas organizações acabando por forçá-las, não só a melhorar os seus meios de comunicação, mas principalmente em capitalizar as desigualdades como alimento fundamental para assunção da sua ação. Cria também uma nova arquitetura das nossas instituições, em que a luz e a clareza das linhas se abrem aos olhos de todos. E não menos importante proporcionará sérios ganhos de coerência na luta e defesa de vontades e preocupações, sejam elas sobre como devemos retornar há sociedade a riqueza produzida, porque devemos proteger o meio ambiente, o que devemos priorizar e para onde desejamos ir, o que é a soberania de um povo, quais os direitos, liberdades e garantias… e por ai vai.
Assim, estas incontornáveis ferramentas on-line inevitavelmente incorporam visões do mundo, pensamentos, ideais e doutrinas mais libertas de forças dominantes. Saibamos pois absorver e refletir esse manancial de expectativas, também em resposta direta aqueles que preconizam o desmantelamento da sociedade organizada com as pessoas e para as pessoas. Contraponto à proposta de cada um a correr por si só num ilusório poder de transformação e solidariedade. Somos animais gregários por excelência. Livres por vocação. Ainda inaptos para sermos contemporâneos do futuro, mas seguramente capazes de fazer e deixar um mundo melhor.
Rui Perdigão – Administrador, Consultor e Presidente da Associação Cultural Portugueses de Mato Grosso