Um dos assuntos mais instigantes, em discussão não só no Brasil, mas no resto do mundo, é o futuro do jornal impresso. De fato, os próprios jornais têm-se transformado numa espécie de tribuna para esse tipo de debate. Tem gente que aposta numa saída, mas há também aqueles que não dão um centavo furado pelo futuro da mídia impressa.
Recorro a um dos mais influentes jornais do Brasil, a “Folha de S. Paulo”, cujo slogan é “o maior jornal do Hemisfério Sul”, para abordar essa interessante questão. Em recente edição do caderno dominical “Mais”, por exemplo, Eric Alterman, colunista da revista “The Nation” e professor na Universidade da Cidade de Nova York, publicou um alentado artigo sobre o assunto. E uma das observações interessantes é esta: “(…) No Brasil, onde a televisão ainda reina quase absoluta como em nenhum outro lugar do globo, a fatia dos jornais no bolo publicitário engordou. Foi de 19,4%, em março último. A Internet ficou com apenas 3,2%. Só no primeiro trimestre deste ano, a publicidade em jornais brasileiros aumentou 24% (…)”.
Detalhe interessante: com as suas infinitas possibilidades de informação e interação, a Internet sempre aparece no topo da lista de “rivais” dos meios impressos, tachados de lerdos e opacos. Mas, segundo Alterman, os jornais, sempre preocupados com a adesão avassaladora dos jovens à rede de computadores, “perseguem a renovação e discutem sua função nesse momento e seu espaço como negócio”. E cita um dado de certa forma alentador: a venda de jornais continua a crescer no mundo (2,6% em 2007), muito impulsionada por países como China e Índia – e no Brasil, que registra uma alta de 11,8%.
Vale, a propósito, um pouco de história, pela ótica do jornalista norte-americano: “(…) A invenção de Gutenberg foi fruto da ascensão da burguesia, que começava a disputar a liderança do processo histórico com a aristocracia. Em sua trajetória, a Imprensa pavimentou a incorporação das massas ao papel de protagonista, sempre em compasso com as disputas pelo poder. Se na Inglaterra e na França a liberdade de expressão foi, por muito tempo, contida pelas forças do antigo regime, nos Estados Unidos a independência colocou a livre manifestação como dado constitutivo do país e possibilitou a criação de periódicos sem as amarras reais”.
No Brasil, lembra o jornalista, a Imprensa Régia – que aportou no Rio de Janeiro com a fuga da corte portuguesa de Napoleão – estabeleceu em seus primeiros atos “fiscalizar que nada se imprimisse contra a religião, o Governo e os bons costumes”. Não foi à toa, portanto, que o primeiro jornal brasileiro – o Correio Braziliense – nasceu em Londres, há 200 anos, fato comemorado em abril passado. De lá para cá, o jornalismo nacional marcou sua presença na história, destacando-se nos momentos de polarização, como nas campanhas pela abolição da escravatura, pela República, pela democracia, pelas eleições diretas. Enfrentou períodos sombrios de censura e sufocamento econômico. Como no resto do mundo, acompanhou a chegada das novas mídias que disputam o tempo e o bolso do cidadão.
Curiosamente, aqui em Mato Grosso, é raro encontrar alguém do meio que revele algum interesse, por menor que seja, em discutir o futuro do jornal impresso. Senti isso na pele, ao tentar debater o assunto, em recente encontro com colegas de profissão. Faz sentido o desinteresse, pois as preocupações do profissional desse tipo de mídia estão voltadas muito mais para o seu próprio futuro, sobretudo, diante das condições extremamente precárias em que labutam no cotidiano, na maioria das empresas do setor, especialmente em Cuiabá.
Com efeito, deu para sentir, por exemplo, que, se a Fiscalização do Ministério do Trabalho fosse mais atuante e eficiente, há muito tempo, teria flagrado situações estarrecedoras em alguns jornais da Capital. São irregularidades que vão da falta de estrutura básica – das mais comezinhas necessidades, como telefones e outros equipamentos nas redações -, insegurança, aos seculares atrasos no pagamento de salários. Chega a ser uma tragédia: repórteres e editores sem receber de três a quatro meses, enquanto servidores menos graduados, mas de relevante importância no trabalho de equipe, como motoristas, não vêem a cor do dinheiro há exatos oito meses.
Há, entretanto, um contraste enorme nesse quadro: enquanto dezenas (ou centenas) de profissionais trabalham sem receber o necessário e justo pagamento, diretores de empresas esnobam, ao exibirem sinais exteriores de riqueza, como atestam veículos de luxo importados, viagens internacionais e outras mordomias que custam caro. As colunas sociais – muitas vezes, dos próprios jornais onde o trabalho escravo é uma marca registrada – costumam registrar, acintosamente, esses shows de ostentação.
Temendo perder o emprego, muitos profissionais aceitam passivamente essa exploração e sequer denunciam a quem de direito. E assim caminha a desonestidade… Eis aí um caso para o Sindicato dos Jornalistas abraçar, buscando o apoio de outras entidades, como o Ministério Público Estadual.
A propósito, a credibilidade e a independência de alguns jornais impressos em Cuiabá sempre foram colocadas em dúvida, em função da promiscuidade das relações que seus dirigentes costumam ter com os poderosos de plantão. O oficialismo e o adesismo na cobertura de alguns fatos só favorecem ao enriquecimento dos grupos que controlam as empresas. As maiores vítimas são a verdade e os funcionários explorados, que trabalham sem receber.
Dá mesmo para falar em futuro diante desse quadro?
Antonio de Souza é jornalista em Cuiabá
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