Com a morte do Papa Francisco, ocorrida um dia após a Páscoa, o mundo perde um dos maiores representantes do diálogo inter-religioso, da humildade e da simplicidade cristã. Seu pontificado resgatou valores esquecidos e confrontou estruturas estagnadas, sendo um verdadeiro farol para uma fé mais humana e acolhedora.
Neste momento de luto, especialmente para os católicos, contudo, torna-se urgente refletir sobre os caminhos que muitos têm seguido em nome da espiritualidade, caminhos que, muitas vezes, se afastam perigosamente da essência do Evangelho.
É crescente o número de encontros, retiros, caminhadas e outros eventos, promovidos por figuras carismáticas que, utilizando o nome de Jesus e uma retórica emocional, arrebanham pessoas fragilizadas por crises morais, espirituais, emocionais, conjugais ou financeiras.
Homens e mulheres com grande poder de persuasão vêm formando grupos fechados, com estrutura de culto, doutrinação e até submissão, onde usam o nome de Jesus, citando versículos fora de contexto para construírem narrativas emocionais que seduzem e aprisionam os “soldados” fragilizados.
Tal manifestação trata-se de um fenômeno que se disfarça de desenvolvimento pessoal, mas que carrega os sinais clássicos das seitas: exclusividade, manipulação, dependência emocional e idolatria de líderes.
Surgem, por exemplo, grupos fechados compostos apenas por homens, que pregam um modelo rígido e autoritário de masculinidade, e também por mulheres, que, em nome da cura da alma e da libertação emocional feminina, acabam por criar bolhas ideológicas e espirituais.
Tudo isso se intensifica em muita seletividade, com encontros pagos, retiros luxuosos, onde o acesso está condicionado à capacidade financeira. E curiosamente, os necessitados e pobres, que foram os principais destinatários da mensagem de Cristo, estão ausentes, vez que existem pessoas que moram no mangue e nunca pisaram na praia.
A série de streaming “O Conto da Aia”, lança um olhar perturbador sobre o risco da instrumentalização religiosa como ferramenta de dominação da mulher. Na série, a fé é usada para legitimar opressões, controlar corpos e moldar consciências. Infelizmente, certos movimentos atuais seguem roteiro semelhante, embora com roupagens modernas e promessas de autoconhecimento.
Jesus foi claro ao dizer: “Acautelai-vos dos falsos profetas, que vêm a vós disfarçados em ovelhas, mas interiormente são lobos devoradores” (Mateus 7:15). São alertas que precisam ser revividos. A espiritualidade verdadeira não se impõe, não se vende e não se sustenta em promessas de sucesso imediato. Aprendi desde pequeno que Deus não nos dá nada, pelo contrário, ele nos incentiva e fortalece a buscar, inclusive as posses.
São Francisco de Assis, cuja vida inspirou o Papa que agora nos deixa, dizia: “Pregue o Evangelho em todo tempo. Se necessário, use palavras.” Seu exemplo foi o do amor encarnado na simplicidade, da fé traduzida em cuidado, e não em ostentação ou controle.
Da mesma forma, Chico Xavier nos lembra: “Embora ninguém possa voltar atrás e fazer um novo começo, qualquer um pode começar agora e fazer um novo fim.” A verdadeira fé transforma pelo exemplo, e não pela imposição.
Ellen Gould White, faleceu aos 87 anos, Francisco tinha 88, conhecida por seu cuidado quanto à fidelidade bíblica e discernimento ao relatar as visões sobre as profecias, em seu livro “Eventos Finais” alertou: “Satanás está operando com todo o seu poder, com todos os enganos da injustiça, para conseguir o domínio sobre os filhos dos homens. O inimigo está se esforçando para reunir um exército que esteja disposto sob sua bandeira.”
Vale dizer que não há problema algum em prosperar financeiramente. Por isso, profetizo que em breve terei um Rolls-Royce La Rose Noire Droptail. Jesus não condenou a riqueza, mas o apego a ela. “Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância” (João 10:10). Abundância, porém, não significa ostentação, e muito menos manipulação. A fé cristã sempre foi sobre partilha, compaixão e verdade.
Ultimamente temos testemunhado uma migração silenciosa de fiéis, especialmente do catolicismo, para esses movimentos que mais confundem do que curam. A pergunta que devemos fazer é: estamos seguindo a fé de Cristo ou nos deixando guiar por discursos cuidadosamente construídos para seduzir? Religiões autênticas promovem liberdade, acolhimento e transformação real. Já as seitas se alimentam da dor, da desgraça, isolam e controlam.
Enfim, Jorge Mario Bergoglio nos deixa com uma herança de coerência e humanidade. Que saibamos honrá-la mantendo acesa a chama da fé simples, honesta e libertadora. E a cima de tudo, não nos deixemos iludir pelos muitos lobos que, hoje, caminham entre nós.
Que volte outros Franciscos, Jorges e cordeiros!