No dia 1º. de fevereiro de 1961, com 16 anos, num começo de noite fria, eu chegava em Brasília, com uma mala de fibra marrom, cheia de livros, algumas mudas de roupas pra estudar o segundo grau no colégio Elefante Branco, que ainda estava em construção. Desci do ônibus da empresa "São Cristóvão", numa estranhíssima estação rodoviária da então Cidade Livre, hoje Núcleo Bandeirante. Ali deveria encontrar o meu tio Manoel, pedreiro que trabalhava numa obra, num daqueles inúmeros becos tortos contornados por casas e barracos de madeira. Não encontrei o meu tio e nem consegui tomar um ônibus pra Taguatinga. Acabei encarapitado num caminhão basculante cheio de peões de obras. Fui debaixo de chuva até Taguatinga e me perdi em vielas atrás do bendito endereço de uma tal de QNE.
Cansado depois de dois dia viagem, e moralmente abatido por ter saído de casa pela primeira vez, chorando achei o endereço e desabei. Acordei no dia seguinte numa paisagem surrealista de poças de lama, de barracos de madeira, um cerradão diante dos olhos e uma sensação de quem estava perdido no mundo.
Finalmente, fui estudar no Elefante Branco, um belíssimo colégio em tempo integral, mas precisava tomar dois ônibus, o primeiro às 5 e meia, pra chegar a tempo da aula. Depois, no final do dia, outra maratona num ônibus superlotado de peões de obras, e chegava em casa às oito da noite, sujo e suado. Tudo isso terminou, comecei a trabalhar e acabei passando no vestibular para Jornalismo na UnB, em 1965, desapontando minha família que sonhava com um médico na família. Que, aliás, não houve.
Em 1973, numa manhã chuvosa de fevereiro, entrei pela primeira vez numa redação como repórter policial, passei por várias editorias, entre elas a de cobertura do Congresso Nacional, e um dia, não mais que de repente, recebi um inesperadíssimo convite para trabalhar em Mato Grosso. Era época de divisão do Estado. O governador era o ex-deputado federal Garcia Neto. Vim, em agosto de 1976, pra passar uma chuva e fiquei.
De Brasília, trouxe minha mulher Carmem, com quem me casara em 1968, e três filhos: André, de oito anos, Fábio, de seis e Marcelo, de dois. Meus pais, sogros e toda a enorme família continuaram em Brasília. Meus pais e irmãos ainda vivem todos lá. Fui o único desgarrado, mas vou lá todos os anos no Dia das Mães, no aniversário de minha mãe que coincide com o Dia dos Pais, e no aniversário de meu pai, em outubro. Fora as viagens profissionais, naturalmente.
Hoje guardo uma distância física e boas lembranças de Brasília, mas meu coração mudou-se de lá para Mato Grosso. Meus amigos e colegas jornalistas dispersaram-se ao longo desses 34 anos em que vivo em Mato Grosso. Assim, Brasília e eu temos uma relação respeitosa, mas distante. O Elefante Branco ainda me emociona, quando me lembro do primeiro aniversário de Brasília, em 1961, e nós estudantes plantados na Praça dos Três Poderes cantando a música "O Canto do Pajé", de Villa Lobos. A UnB também me emociona, e algumas coisas mais que de algum modo marcaram a minha vida de "candango" emigrado da doce Campos Altos, no interior de Minas Gerais.
Amanhã, dia do aniversário de 50 anos de Brasília, gostaria de lembrar como era aquela cidade poeirenta, barreira e nascente que vi nascer, formada por gente vinda de tudo quanto era lugar de um distante Brasil rural.
Onofre Ribeiro é jornalista em Mato Grosso
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