Supõe-se que todos conhecem a história: o caseiro via o então ministro Antônio Palocci entrar numa mansão, às vezes o cumprimentava etc… etc… etc… Na CPI, revestido da autoridade de gerente geral da economia brasileira, o ministro diz que nunca esteve naquela casa suspeita. O pobre caseiro, descoberto pelos opositores ao regime Lula, fala o que sabe, o que viu e o que ouviu. Cumpriu o seu papel de cidadão honesto e honrado. E em um ato despropositado, que cheira ranço de um período negro da história brasileira, os poderosos de plantão reviram a vida do moço e quebram o seu sigilo bancário para tentar provar que Francenildo Costa estava mentindo. Para isso, cometem um crime para justificar o próprio crime.
A história que resultou na queda do ministro Palocci é, aqui, neste caso, ilustrativa. Ela serve para mostrar, numa proporção gigantesca, uma das grandes preocupações que têm tomado conta das instituições verdadeiramente compromissadas com os ideais e princípios da democracia, qual seja, o direito elementar do cidadão. Entre essas entidades, está a nossa Ordem dos Advogados do Brasil. No ato simples de bisbilhotar a conta do caseiro para tentar encontrar desesperadamente uma saída honrosa para o seu ministro, a triste constatação de que o cidadão independente de cor, raça, sexo, religião etc está abandonado à própria sorte por parte do Estado.
Recomenda-se que qualquer homem público, ao se investir do mais simples cargo, concursado ou não, eleito ou não, deveria entender e ter em mente que aquele lugar pertence ao povo, que é, de verdade, trabalhador do povo, daquele cidadão que pede esmola na esquina e também daquele que sai todos os dias de Hilux para seu luxuoso escritório. Sem distinção!
Ter o seu sigilo bancário assim como o telefônico e fiscal, aliado a outros princípios de vida essenciais é direito básico assegurado na Constituição brasileira. O que aconteceu com o caseiro Francenildo é ilustrativo, emblemático. Com o fato, é de se questionar: qual o verdadeiro papel do Estado nisso tudo? Conclusão: é triste constatar que o cidadão está fadado ao descaso dos homens públicos diante dos mais elementares direitos fundamentais. Nesse confronto Estado versus cidadão, a luta “parece” ser desproporcional. Senão vejamos: o Estado se arma de Governo, Câmara dos Deputados, Senado Federal, Ministério Público e Judiciário, além dos Tribunais de Contas. E o cidadão? Quem está ao lado do cidadão para garantir seus direitos?
Não, senhores! Definitivamente, não! Não vamos tapar o sol com a peneira e achar que o Estado brasileiro hoje seja feito apenas para o povo. É triste constatar que o ranço da ditadura seja mais que um aspecto de um regime baseado nas armas.
Em verdade, o que se deu com Francenildo é mais ou menos o que ocorre diariamente com inúmeros cidadãos, que vêem seus direitos sendo violados com simples ordens judiciais ou mesmo uma ligação telefônica. Já denunciamos isso várias vezes e fomos mal interpretados. Já bradamos: os direitos fundamentais do cidadão estão sendo violados. Há tempos, nós, advogados, estamos catalogando sinais evidentes de desrespeito ao cidadão por parte do Estado. Ninguém se preocupou. E a prova está aí, de novo: o Estado agiu contra o cidadão.
E quando um cidadão por qualquer motivo que seja verdadeiro ou falso – acaba preso e lhe é negado o direito de ter um advogado antes de prestar qualquer informação à autoridade policial ou judiciária, estamos nada mais nada menos que tentando preservar direitos fundamentais. Sim, porque não estamos falando de um criminoso, mas de um cidadão que pode ser inocente. Aliás, há tempos que a chamada presunção da inocência deixou de ser praticada pelo Estado brasileiro. Quando gritamos, clamamos e insistimos em pedir pela preservação legal das prerrogativas da classe do advogado, numa luta quase inglória, estamos, a rigor, defendendo o direito fundamental do cidadão, violado pelo poder do Estado.
E diante de tanta evidência, não nos resta, de novo, a exemplo dos “anos de chumbo”, outra vez nos colocar na vanguarda da luta, agora, para garantir a democracia plena no nosso país. Como advogados, já enfrentamos os sabres da ditadura militar, estamos dispostos agora a enfrentar a ira e o desgaste que significa a luta contra qualquer um que esteja transvestido de democrata, mas que age com os elementos do desrespeito ao cidadão comum. E eles são facilmente identificados: não apenas quebram sigilo bancário, fiscal e telefônico, e ignoram nossas prerrogativas, que nada mais são que direitos elementares do cidadão, mas também tentam nos afastar dos tribunais para facilitar o massacre legal ao povo.
Precisou que um sigilo bancário fosse quebrado da forma mais estúpida, para que o alarme dos direitos fundamentais fosse soado. Esperamos, quiçá, não seja necessária a institucionalização da tortura como meio de prova como aquela que vivemos num passado não tão distante – para que o povo e os aliados históricos da democracia se levantem. A hora de agir e reagir é agora!
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Francisco Faiad é presidente da Ordem dos Advogados do Brasil em Mato Groso (OAB/MT)