A falta de controle dos governos sobre os acontecimentos políticos mundiais, sobretudo em questões econômicas pode ser definida em um conceito da moda: “globalização”. Segundo Zygmunt Bauman o significado mais profundo da idéia de globalização é o seu caráter indeterminado, indisciplinado e de autopropulsão dos assuntos mundiais, revelando assim a ausência de um centro, de um painel de controle, de uma comissão diretora, de um gabinete administrativo do mundo. O mundo globalizado é governado pelas regras de livre mercado, é governado pelo livre movimento do capital e das finanças, pois de acordo com Albert Dunlap (autor do livro, Como eu salvei más companhias e as transformei em boas companhias): os empregados, os fornecedores e os porta-vozes da comunidade não têm voz nas decisões que os investidores podem tomar; posto que os verdadeiros tomadores de decisão, as “pessoas que investem”, têm o direito de descartar, de declarar irrelevante e inválido qualquer postulado que os demais possam fazer sobre a maneira como elas dirigem a sua companhia. A única tarefa econômica permitida ao Estado, para os defensores da livre concorrência, é a de garantir um “orçamento equilibrado”, policiando e controlando as pressões locais por intervenções estatais mais vigorosas em defesa da população contra as flutuações do mercado.
A “economia” é uma área isentada do controle político, de acordo com os defensores da livre concorrência. Ocorre que na semana passada, junto ao parlamento europeu na cidade de Estrasburgo na França, dois deputados do partido verde alemão, pediram para que sejam embargadas as exportações brasileiras de carne bovina para a comunidade européia. O pedido, aparentemente inocente, se funda na alegação de que o Brasil por possuir um território muito extenso não está conseguindo controlar a febre aftosa.
A manobra política tem por objetivo imediato, facilmente identificável, ofertar carne saudável à população do mercado comum europeu, tendo também por objetivo, e este até oculto, eliminar a concorrência da carne brasileira no mercado europeu, ou no máximo, admitir o seu ingresso neste mercado, mas apenas para regular a demanda interna. O fato é que para proteger o seu mercado interno e manter a estabilidade econômica, os países mais desenvolvidos dependem de um requintado sistema de pressões e constrangimentos, tal como a barreira sanitária que se pretendem impor agora à carne bovina brasileira. Fica evidente neste caso que cada país ou bloco econômico tenta a qualquer custo evitar a concorrência a seus produtos; logo, o discurso de livre concorrência é de mão única.
A globalização representa no campo da economia a atuação de forças anônimas, indomáveis, fora do alcance e do controle de qualquer um, pois ela é algo que você sofre, independentemente de gostar ou não; mas o governo e os produtores brasileiros, no caso do embargo da carne, podem cobrar providências dos organismos multilaterais, tal como a Organização Mundial do Comércio, bem como pugnar junto à Chancelaria brasileira uma ação mais efetiva, no sentido de demonstrar junto à opinião pública dos países europeus que a carne brasileira é livre da febre aftosa.
É preciso estar atento aos efeitos da globalização, inclusive os mais sofisticados e sutis destes efeitos, por exemplo: o pedido de embargo da carne bovina proveniente do Brasil, querendo ou não, pode ter por conseqüência instantânea a queda do preço da arroba do boi no Brasil e no Estado, ocorrendo ou não o prometido embargo, pois o administrador de frigorífico, agora, conta com um argumento poderoso na hora de colocar preço nos bois do produtor. De forma que, acaso ocorra queda no preço da arroba, é conveniente que as associações de criadores de gado peçam a Secretária de Direito Econômico do Ministério da Justiça (SDE) que fiscalize os frigoríficos de Mato Grosso. Confirmando, portanto, in loco, que a queda no preço da arroba foi causada pelo embargo europeu, e não apenas pelos rumores de embargo; afastando, de uma vez por todas qualquer suspeita de aumento arbitrário dos lucros dos frigoríficos.
Diogo Egidio Sachs é advogado, ex-diretor regulador da AGER, e ex-delegado de Polícia Civil