Extremamente sensível à causa democrática, inclusive, em alguns casos, pedindo intervenção militar para estancar a roubalheira em Brasília. Assim vejo o discurso mato-grossense: Fora Temer! Devolvam nosso Brasil! ‘BolSãonaro’ De igual modo escuto o grito – dito de esquerda, de dedo em riste nas questões nacionais: Eleição sem Lula é fraude. José Pereira Lula de Almeida. ‘Satanaro’. Golpistas!
Claro que entre as vozes em protesto há figuras legitimadas pelo passado, que podem fazê-lo de cabeça erguida. Mas isso é exceção. De modo geral, as vozes raivosas contribuíram e – em muitos casos – continuam contribuindo para a situação em que o Brasil se encontra.
Entendo que Michel Temer, nesse momento, é a figura certa. Substituí-lo por outro político seria trocar seis por meia dúzia. Se saíssem com uma lupa e encontrassem o presidente ideal, em pouco tempo Sua Excelência seria enrodilhada pela mesma teia em que Temer se encontra.
O tempo se encarregará de melhorar a base social mato-grossense (no Brasil inteiro). Quando isso acontecer, teremos um presidente ao estilo JK, mas até lá continuará o chafurdamento na Praça dos Três Poderes.
Protesto é arma democrática, mas deve ser feito por alguém legitimado para tanto. Sinceramente, como ouvir crítica que nasce de figura que recebe alto salário no exercício de função inócua em órgão público, pago pelo contribuinte? E o grito dos aposentados precoces? E o barulho de servidores do Legislativo inchado, mantido por imorais duodécimos? E a ira santa de magistrados e promotores que embolsam além do teto, graças a artifícios nada republicanos? E o pendor democrático de filhinhos de papais arenistas, acomodados em polpudos cargos? E a naturalidade com que órgãos de imprensa tratam corruptos contumazes, inclusive flagrados em vídeos recebendo propina – e o fazem coincidentemente recebendo em dia os tentadores contratos de mídia que os unem? E a capacidade analítica de jornalistas que atravessam governos vendo virtudes em todos eles? E a autoridade democrática de governante à frente de governo impregnado de corrupção e outros crimes? E a insatisfação política do empresário sonegador ou do sindicalista pelego? E o solapamento dos cofres públicos pelo Sistema S?
Mato Grosso precisa de mea culpa coletiva. Ao invés de crucificar Lula com pregos de direita, de cuspir a palavra Satanaro, de gritar ‘Fora Temer’ e de apontar o dedo a Brasília, tem que se depurar. Chega da suposta moralidade no primeiro andar paralelamente à podridão no térreo onde vivemos nossa realidade.
Na solidão do olhar, espelho é o melhor preventivo contra o superficial discurso moralista nacional. É hora de renúncia, de abrir mão de vantagens, é hora de sacrifício, de coragem cívica, pois não se pode construir a partir do teto. É tempo de alicerce.
Eduardo Gomes de Andrade é jornalista em Mato Grosso
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