Apresento nas próximas linhas aspectos relevantes do estudo técnico elaborado pela Agência de Regulação de Mato Grosso (AGER), intitulado "Diagnóstico do saneamento em Mato grosso", demonstrando o quão complexo é a realidade do setor, quais os pontos que o Estado, como um dos agentes do saneamento, deve reavaliar como seu papel e quais as medidas a serem tomadas para auxiliar e fortificar a municipalização.
Ao serem comparados, os índices de atendimento dos serviços públicos nos setores de energia e de transporte são bem superiores ao do saneamento. Enquanto os primeiros já atingiram níveis próximos da universalização, o saneamento, nas condições atuais, precisará de investimento voltado a melhoria da gestão para alcançar essa meta.
Não vou tecer considerações a respeito das informações apresentadas no Jornal Nacional (Globo) quando revelou ao Brasil, às véspera das eleições, alguns dados do nosso estado no tocante a saneamento, referindo naquela oportunidade que Mato Grosso possui uma população de 3 milhões de habitantes, porém dessa totalidade 90% não possuem esgoto e 26% não têm água tratada.
Tampouco irei discorrer sobre os embaraços criados pelo decreto nº 7.217/2010, que regulamenta a lei nº 11.445/2007, que estabelece as diretrizes nacionais para o saneamento básico, decreto este que deveria limitar as questões referente às competências administrativas da união, todavia, se perde em dúvida e burocracia. Evidente que um texto que se propõe a transcrever, inovar e alterar mais do que explicitar, certamente em nada contribui, especialmente porque um regulamento como manifestação do Poder Executivo não pode inovar a ordem jurídica, pois é fonte secundária, inferior e dependente.
Nas recomendações contidas no diagnóstico da AGER, reporto preocupação sobre os efeitos presentes e futuros do processo de municipalização de saneamento em MT, apresentando uma rápida retrospectiva diante de um histórico resultado pouco significativo, que envolveram más gestões, recursos insuficientes, falta de investimento, política de recursos humanos deficiente, tarifas abaixo dos custos dos serviços, baixa renda da população, entre outros.
Em 2000, o Governo de Mato Grosso adotou uma solução simples e drástica para o saneamento básico no Estado: em vez de fortalecer e modernizar a então Companhia de Saneamento do Estado (SANEMAT), dando-lhe aspectos regulatórios, buscando com isso autonomia administrativa, orçamentária e financeira e tecnicidade em suas decisões, optou por extingui-la e entregou os serviços de saneamento aos municípios. Essa medida, adotada no início da década, não foi precedida de planejamento ou verificação das condições mínimas para os municípios assumissem a nova responsabilidade.
Essa decisão pouco sensata criou um novo modelo de gestão para o saneamento no Estado: o de municipalização plena, com dificuldade de reversão à gestão regional. Foram isolados os sistemas de saneamento rentáveis dos não-rentáveis e quebrada a espinha do mecanismo do subsídio cruzado, da economia de escala e da solidariedade tarifária entre ricos e pobres. Ao acabar com a gestão regional, o Estado condenou os municípios menores a conviverem com serviços deficientes, com dificuldades de custeio via tarifas, bem como limitou o acesso a fontes de investimentos para a ampliação dos serviços. Os resultados iniciais dessa municipalização radical foram alarmantes, com indicadores dos serviços sinalizando claramente níveis de retrocesso. O que não era bom ficara pior.
Os números apresentado no estudo elaborado pela AGER-MT revelam, entre outros, as dificuldades da aplicação do modelo municipal em todo estado. Em municípios superavitários, onde há possibilidade de amortizar os custos dos investimentos, da operação e da manutenção dos serviços, esse modelo até demonstra viabilidade. Entretanto, em municípios economicamente inviáveis, a gestão municipal isolada não atende aos padrões mínimos de qualidade, demonstrando com isso que em unidade federativa com as características de Mato Grosso o modelo de gestão regional é a que melhor atende aos interesses da população, onde há grande incidência de municípios de pequeno porte econômico e populacional.
O relatório técnico ressalta, ainda, que a universalização do acesso aos serviços públicos de saneamento básico é princípio fundamental na lei que desde 2007 estabelece as diretrizes nacionais para o abastecimento público e esgotamento sanitário. Mas para que este princípio fundamental saia, de fato, do papel, são necessários investimentos por parte dos agentes do saneamento, entre eles o governo do Estado, que por meio da própria Agência Estadual de Regulação dos Serviços Públicos Delegados, que possui capacidade institucional, poderá prestar assistência técnica institucional regulatória, gerencial e operacional aos municípios através de convênios individuais ou de consórcios regionais, implementando políticas públicas para regular e fiscalizar o setor, aprimorando a troca de informações entre técnicos reguladores e as instituições, criando com isso políticas conjuntas, objetivando a efetiva universalização dos serviços de saneamento básico, independente de possíveis alternâncias de nossa representação política nos três níveis de governo.
Francisval Mendes é Diretor Ouvidor da Ager-MT, Advogado e Mestrando em Direito Regulatório pela Universidade Ibirapuera de São Paulo-SP.