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Cheque em branco

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A democracia não se resume a “uma pessoa, um voto”. Ela é fundamentalmente a escolha popular que se faz de um projeto de organização social com garantias de direitos e liberdades. Com prazo de validade renovável não acontece simplesmente em consequência do exercício legal e autônomo dos seus órgãos de soberania. Ocorre, em grande medida, pela afirmação programática e ideológica dos agrupamentos políticos. Existem vários modelos ideológicos, como por exemplo: liberalismo; socialismo; comunismo; social-democracia; democracia-cristã; conservadorismo de entre outros e todos eles apresentam especificidades e diferentes propostas.

A consolidação da democracia é um processo longo e tem inerente o desenvolvimento de uma consciência política que amplie a cidadania participativa. Este amadurecimento social e individual é indispensável e abrange todos os cidadãos sem exceções, com especial imperativo naqueles com pretensões ou responsabilidades na gestão da coisa pública. Porém, as sombras que muitos políticos fazem incidir na sua ação, em matéria de posicionamento ideológico, criam grandes dificuldades de entendimento da sua atuação e em muitos casos, inconsistências que levam inevitavelmente ao erro e ao insucesso. Quando fazem essas sombras pairar sobre os seus partidos, estas organizações tornam-se um carrossel de pessoas, muitas delas, totalmente descomprometidas com ideais.

A concretização do projeto votado, aproxima o cidadão da democracia e da política enquanto espaço de discussão de alternativas e melhoramento da vida na comunidade. O não cumprimento sistemático das promessas feitas em campanha, somado a uma gestão em livre arbítrio, despertar desconfiança na democracia e estímulos para posturas antidemocráticas. E os principais culpados disso são os políticos. Salvas as devidas exceções, alguns o fazem de forma inconsciente ou incompetente, mas muitos outros o fazem de forma deliberada, com o intuito de criar um jogo de espelhos que lhes permite transmitir uma idéia de complexidade e superior capacidade para navegar nas águas turbulentas da política. Isso também lhes proporciona imerecidos créditos e o conveniente afastamento de potenciais novos political player’s que possam colocar em risco a sua permanência numa função que, em grande parte, não é interiorizada como um serviço ao coletivo da comunidade, mas sim uma excelente oportunidade para satisfação de interesses próprios ou obscuros altamente compensadores.

Um firme e constante combate há corrupção e ao crime organizado é extremamente importante para a saúde da sociedade, mas não basta para melhorar a democracia. Torna-se necessário resgatar a democracia das mãos exclusivas dos políticos. O voto não pode ser um cheque em branco passado a um desconhecido. Nem pode ser, como se observa mais particularmente ao nível da eleição para vereador e deputado estadual, uma relação de proximidade fechada numa troca direta de contrapartidas entre candidato e eleitor. O resultado dessa negociação é a perca de legitimidade do cidadão para futuras cobranças e assim, mais uma vez o político sai beneficiado em prejuízo da sociedade. Esta completa inversão de posições em que o representante passa a ser o proprietário das decisões que competem ao povo, causa feridas na democracia que ficam abertas por um longo período de tempo, muitas vezes só saráveis ao fim quatro anos de adormecimento.

A ausência de ideologia, de ideais e valores que nos elevam o sentimento para lutar, reduz a vida política e partidária a uma constante busca de protagonismo individual ou colagem promissora. Reduz a força de uma oposição alternativa e necessária. Reduz a liberdade por falta da opção de escolha. Talvez seja defeito meu, mas ainda não consigo vislumbra democracia sem partidos e partidos sem ideologia. Assim como não vislumbro humanos sem liberdade e vida sem paixão.

Rui Perdigão – administrador, consultor e presidente da Associação Cultural Portugueses de Mato Grosso

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