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Charles Bronson e o microcosmo brasileiro – mazelas escancaradas no Espírito Santo

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oEnquanto criminosos aterrorizam uma comunidade, impondo a sensação de medo e trancafiando os cidadãos de bem dentro de suas residências, o Estado se vê de mãos atadas diante da insegurança e da barbárie instaurada.

Crimes contra os mais comezinhos direitos do homem são praticados à luz do dia, sem qualquer enfrentamento por parte da polícia, impingindo à população local a condição de refém da criminalidade desorganizada em um estado quase anárquico. Só resta aos populares inocentes se protegerem em seus lares com ofendículos muitas vezes inúteis.

Esse é o enredo de um filme que marcou época na década de 80, “DESEJO DE MATAR 3”, que se passa num perigoso bairro de Nova Iorque, em que Charles Bronson interpreta um justiceiro durão e implacável. A própria polícia nova-iorquina, diante da sua impotência e somada à sua indolência, exerce por de baixo dos panos influências para que o vigilante – papel interpretado por Bronson – vá para o local resolver a situação.

Copiando fielmente trechos da arte, em algumas cenas reais registradas no Espírito Santo pelos olhos de interlocutores assustados, é possível ver a ação dos malfeitores e a desordem instalada. Diante da ausência da polícia e talvez do próprio Estado, um percentual mínimo da população consegue promover sem qualquer constrangimento o fantástico colapso de um pretenso sistema.

Na fantasmagórica ficção, contabilizam-se 83 mortes cinematográficas. Na realidade capixaba, desde o dia 02 de fevereiro, já se contabilizou mais de 100 mortos. Na ficção, o personagem de Bronson reconquista um pouco da dignidade que restava aos moradores do bairro – incluindo a de alguns idosos veteranos de guerra, que em uma retomada (que beira ao escárnio), reagem e afugentam um pouco da “bandidagem”. Em nossa triste realidade, ainda não se enxerga a luz no fim do túnel. Em verdade, somente se escancara a obscura situação brasileira e se fomenta a ânsia de justiceiros.

Teme-se em vão que esse microcosmo se expanda e atinja o resto do país, quando de fato já vivemos nessa roldana perversa. Manaus e Alcaçuz com as suas dezenas de mortos não conseguem sequer representar a ponta do iceberg. A quantidade de mortes violentas no Brasil já ultrapassa os 60.000 (sessenta mil) por ano. E aí está mais um recorde: o Brasil tem o maior número absoluto de homicídios no mundo. Na mesma linha, o Brasil figura dentre as últimas posições no ranking mundial de educação, consoante dados do PISA e do Fórum Econômico Mundial (o Brasil está na 131ª posição de 139 nações no ranking de educação geral), e mesmo assim a classe política continua inerte diante dessa realidade. Infelizmente, o Espírito Santo não está sozinho.  

Longe de aderir à ideia central do filme que representa uma verdadeira ode à justiça pelas próprias mãos, e já condenando qualquer prática inerente aos grupos de extermínio, é imperioso que se faça uma reflexão sobre a origem do problema que está muito mais atrelada à baixa escolaridade e ao nível cultural dos grupos vulneráveis do que a uma questão de pura repressão. Charles Bronson é ídolo somente nos cinemas, ponto. Replicar uma guerra particular definitivamente não é o melhor caminho.

Luiz Flavio Blanco Araujo – Especialista em Direito Penal Econômico pela Universidade de Coimbra (Portugal). Mestrando em Direito Agroambiental pela UFMT.Professor de cursos jurídicos em Cuiabá. Advogado.

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