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Cegueira córnea ou ignorância cínica ?

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Entre outros, os nossos homens públicos podem ser divididos em dois grupos, um deles, composto de poucas pessoas que são realmente imbuídas de espírito público e que buscam atender às finalidades para as quais foram eleitas. Apenas trabalham, todavia não vou citá-los porque me obrigaria a citar todos os outros, do outro grupo, e aí faltaria espaço e, ainda que não faltasse haveria o perigo de tornar este texto mais enfadonho. O outro grupo, este sim muitíssimo numeroso, é composto de políticos cujo objetivo principal, e quase único, é o de “se dar bem”. Suas ações, via de regra, sem densidade, se configuram por clientelismos de toda ordem e, quando não, objetivam claramente auferir vantagens pessoais, um pleonasmo enfim. O exemplo, bastante atual e emblemático, é o senhor José Ribamar Ferreira de Araújo Costa.

Trata-se de um advogado maranhense que em 1965, adotou legalmente o nome de José Sarney de Araujo Costa, o qual já utilizava para fins eleitorais desde 1958, por ser conhecido como "Zé do Sarney", isto é, “José filho de Sarney”. Ingressou na vida pública na década de 50, foi deputado federal em 55 e é, portanto, o parlamentar mais antigo em atividade no Congresso Nacional. Já integrou a UDN, foi presidente da ARENA e do PDS, e posteriormente filiou-se ao PMDB. Foi diversas vezes deputado estadual, governador do Maranhão entre 66 e 71, senador entre 71 e 85, quando herdou do falecido Tancredo Neves o posto de Presidente da República. Com atuação marcada pela franca incompetencia, após alguns planos econômicos fracassados, entre eles os Cruzados I e II, ficou na presidência até 1990, não sem antes decretar uma moratória internacional (calote) e produzir uma inflação record de 2.751% entre fevereiro de 89 a março de 90. Á partir daí Sarney continuou sua trajetória política, então como senador pelo Amapá, sem nenhum outro destaque. Foi presidente do Senado de 95 a 97, e de 2003 a 2005, cargo que ocupa novamente desde 2 de fevereiro último. Não é demais lembrar que o presidente do Senado é concomitantemente o presidente do Congresso Nacional.

José Sarney é pai de Roseana Sarney, atual governadora do Maranhão, do deputado federal Sarney Filho e do empresário Fernando José Sarney. A família controla o conglomerado Sistema Mirante de Comunicação, proprietária de três retransmissoras de televisão (afiliadas à Rede Globo), seis emissoras de rádio e do jornal O Estado do Maranhão.

O curioso é que este líder político máximo do Maranhão, em todos estes anos teve uma atuação sofrível que seu estado é donatário de uma situação de pobreza tal que em 2008, a renda “per capita” do Maranhão ficou pouco acima de R$ 3 mil. Só com o auxílio-moradia, o senador ganhava a cada mês bem mais do que um morubixaba comum que demora um ano todo para juntar, tendo para tanto que ficar sem comer nem vestir. O que para Sarney é uma ninharia, capaz de produzir surpresa quando é avisado do crédito na sua conta bancária, é para os outros o preço da vida que é possível ser vivida.

Nepotismo é o nome de algumas de suas façanhas conhecidas, são várias nomeações “secretas”, entre elas a de um neto João Fernando Michels Gonçalves Sarney; e de sua mãe em seguida quando ele foi despedido, a ex-candidata a Miss Brasília Rosângela Terezinha Michels Gonçalves; e agora por último de duas sobrinhas, sendo uma delas a Maria do Carmo Macieira, que é prima da governadora Roseana por parte da mãe Dnª. Marly, mulher do senador.

Ninguém, nem mesmo o mais ingênuo ou bobo acredita no absurdo que falou na TV quando perguntado sobre o salário moradia de R$ 3,8 mil que todo mês engordava sua conta bancária: “Peço desculpas pela informação errada que dei”, negada dois dias antes e emendou: “Eu nunca pedi auxílio-moradia e, por um equívoco, a partir de 2008, segundo me informaram, estavam depositando o valor na minha conta”, não sem meneios de cabeça, revirar de olhos, vírgulas e reticências, atitudes típicas dos que tentam explicar o inexplicável.

Tem mais, nesta terça-feira última, dia 16 de junho, quando espremido pela imprensa ele saiu-se com uma frase deveras interessante: “Esta crise não é minha, é do Senado”. Muito a contra gosto sou obrigado discordar: realmente a crise não é dele, é do povo brasileiro que tem políticos deste naipe.

Á rigor não existe diferença nenhuma entre as ações de uma pessoa destas com as de um ladrão comum, apenas este último, o ladrão comum, pratica um crime que é alvo de ação pública incondicionada, quando e não adianta devolver o produto do roubo porque o estado o processará inexoravelmente, enquanto o primeiro continua no cargo recebendo dinheiro público, devolvendo ou não o butim.

Embora nem sempre com resultados tão eficientes, a grande maioria dos nossos homens públicos sofrem da mesma doença, refiro-me a um tipo de epidemia cuja etiologia acabei de descrever, trata-se da proverbial “ignorância cínica” em seu estado mais puro cujo único remédio é a eliminação do vetor, via voto consciente.

Djalma Franco é economista em Sinop

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